Muito se tem discutido em sede doutrinária a respeito da eventual ocorrência de sucessão trabalhista na venda de filiais ou unidades produtoras pelas empresas sujeitas ao regime de recuperação judicial e de falência, na vigência da nova Lei de Falências e Recuperações Judiciais – a Lei n° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
Alguns operadores do direito entendem que a nova Lei de Falências tratou de forma diversa o tema em relação aos regimes de recuperação judicial e de falência, vedando, de forma expressa, em seu artigo 141, inciso II, a sucessão trabalhista na falência, e não
Muito se tem discutido em sede doutrinária a respeito da eventual ocorrência de sucessão trabalhista na venda de filiais ou unidades produtoras pelas empresas sujeitas ao regime de recuperação judicial e de falência, na vigência da nova Lei de Falências e Recuperações Judiciais – a Lei n° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
Alguns operadores do direito entendem que a nova Lei de Falências tratou de forma diversa o tema em relação aos regimes de recuperação judicial e de falência, vedando, de forma expressa, em seu artigo 141, inciso II, a sucessão trabalhista na falência, e não o fazendo do mesmo modo para as recuperações judiciais, no artigo 60, parágrafo único do mesmo diploma legal. Fundados nesta premissa, sustentam que, ao contrário do que ocorre na falência, haveria uma suposta autorização legal no sentido da sucessão trabalhista na recuperação judicial.
Esses operadores de direito argumentam, ainda, que o princípio “in dubio pro operario” induz a uma interpretação mais favorável ao trabalhador, além do que os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da valorização social do trabalho, da justiça social e da solidariedade militam no sentido de assegurar aos empregados a garantia ao recebimento dos seus créditos, permitindo a cobrança destes dos adquirentes dos ativos da empresa sujeita à recuperação judicial.
Sem embargo da opinião contrária, parece-nos equivocado este ponto de vista, na medida em que ele se mostra incompatível com o objetivo visado pela nova Lei de Falências e Recuperações Judiciais. Com efeito, o artigo 60 da Lei nº 11.101 dispõe que, havendo previsão no plano de recuperação judicial aprovado de venda de filiais ou de unidades produtivas isoladas, o juiz as ordenará de imediato. Em complemento, explicita o parágrafo único deste artigo que o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária.
Ora, onde a lei diz que o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus, e que não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, não se pode entender pela existência de autorização para responsabilização do arrematante pelas obrigações trabalhistas do devedor. Não é o fato de a lei ter mencionado, de forma expressa, a exclusão da responsabilidade do arrematante pela dívida tributária, que autorizaria a conclusão acerca da responsabilidade do arrematante pelos demais débitos do devedor, especialmente se a lei fala textualmente que não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor.
Aliás, merece convir que o advérbio “inclusive”, usado para dar destaque à exoneração em relação às dívidas tributárias, não tem caráter limitativo. Ao contrário, pressupõe a existência de outras dívidas que também são excluídas da sucessão obrigacional pelo arrematante de filial ou unidade produtiva autônoma de empresa sujeita ao regime de recuperação judicial. Também não há, na alienação prevista no artigo 60 da Lei nº 11.101, uma sucessão de empregadores que pudesse atrair a incidência dos artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), uma vez que a venda, neste caso, se constitui em modo de realização do ativo da devedora, com a descontinuidade dos contratos de trabalho então existentes.
Não se pode esquecer que a aquisição em hasta pública é modo de aquisição primária, que se faz livre de qualquer ônus, distinguindo-se da cessão ou alienação entre particulares, que é forma secundária de aquisição do estabelecimento comercial, esta sim que se encarta nas determinantes dos artigos 10 e 448 da CLT. Além disso, é relevante destacar que a venda de filiais ou unidades produtivas isoladas se faz no interesse dos próprios credores, na forma prevista no plano de recuperação judicial por eles aprovado, inclusive pelos credores trabalhistas e de acidentes de trabalho, que têm prioridade no recebimento de seus créditos
Sendo assim, não se mostra razoável que, após terem os credores trabalhistas autorizado a venda das filiais e unidades produtivas isoladas proposto no plano de recuperação judicial concebido com vistas à satisfação dos seus créditos, venham pretender, no futuro, reclamar do adquirente destes ativos, além do pagamento do preço, a assunção das obrigações trabalhistas do devedor.
Este entendimento, sem qualquer dúvida, caminha em sentido oposto ao visado pelo legislador no artigo 60 da nova lei falimentar, uma vez que, se a lei não ressalvasse expressamente a sucessão do adquirente, seria improvável que alguém se dispusesse a adquirir os ativos da empresa em recuperação judicial, sujeitando-se a responder pelo passivo trabalhista do devedor.
Concluindo, destaque-se que a valorização dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do trabalho, da justiça social e da solidariedade serão melhor atendidos pela preservação da empresa, da sua função social e do estímulo à sua atividade econômica, conforme prescrito no artigo 47 da Lei de Falências. E este objetivo não será atingido se for inviabilizada a venda das filiais e unidades produtivas isoladas da empresa em recuperação judicial, tal como previsto no artigo 60 e seu parágrafo único da lei falimentar em vigor, o que inevitavelmente ocorrerá se vier a ser proclamada a responsabilidade do adquirente destes ativos pelas dívidas trabalhistas do devedor.
Waldemar Deccache é procurador do Estado do Rio de Janeiro e sócio do escritório Deccache Advogados Associados
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