A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) é hoje o tributo mais importante do governo federal, depois do Imposto de Renda (IR). Sua arrecadação cresceu tanto nos últimos anos que já representa quase 25% do total recolhido pela União. Quando somada à de outro tributo que também incide sobre o faturamento das companhias – o PIS/Pasep -, sua participação na receita total do governo chega a 30%.
A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) é hoje o tributo mais importante do governo federal, depois do Imposto de Renda (IR). Sua arrecadação cresceu tanto nos últimos anos que já representa quase 25% do total recolhido pela União. Quando somada à de outro tributo que também incide sobre o faturamento das companhias – o PIS/Pasep -, sua participação na receita total do governo chega a 30%. O IR, cobrado de empresas e pessoas físicas, arrecada pouco mais – 35% do total.
Considerado pelos especialistas um mau tributo, porque provoca distorções na economia, a Cofins recolheu aos cofres públicos, em 2006, R$ 92,4 bilhões, equivalente a pouco mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Nem sempre foi assim. Em 1992, a contribuição respondeu por 8,2% do total arrecadado. Nos anos seguintes, elevações de alíquota, mudanças na forma de cobrança e ampliação da incidência praticamente triplicaram a participação do tributo no conjunto dos impostos federais.
Em 2003, o governo Lula instituiu a cobrança da Cofins sobre produtos e serviços importados, uma medida adotada supostamente para equalizar o tratamento tributário dado a mercadorias produzidas no Brasil e no exterior. Na prática, a mudança diminuiu a competitividade dos importados no mercado nacional e rendeu à União uma arrecadação adicional, em 2004, de R$ 13,9 bilhões.
Há três anos, atendendo a uma antiga demanda do setor privado, o governo tentou corrigir uma distorção da Cofins – a cumulatividade, que onera principalmente os setores da economia com cadeias produtivas mais longas e que agregam mais valor a seus produtos. Ao fazer a mudança, a Secretaria da Receita Federal, preocupada em não perder arrecadação, aumentou a alíquota da contribuição de 3% para 7,6% – um ano antes, havia feito a mesma mudança no regime de cobrança do PIS, elevando a tarifa de 0,65% para 1,65%.
O efeito da mudança na arrecadação foi extraordinário. Em 2002, a Cofins arrecadou R$ 52,2 bilhões. Quatro anos depois, esse resultado engordou 77%. Nenhum tributo avançou tanto no período quanto a Cofins.
Responsável pela formulação da mudança no regime de cobrança da Cofins – o assunto vinha sendo discutido desde a gestão Fernando Henrique Cardoso -, o ex-secretário da Receita Everardo Maciel reconhece que o fisco exagerou na calibragem da alíquota. “Quem botou essa alíquota, que ficou realmente turbinada, fui eu, porque não havia elementos que assegurassem qual seria a exata proporção depois que fizéssemos a mudança do sistema. Mas eu disse na época que o que íamos fazer era experimental”, explica Everardo. “Está na lei que a alíquota deveria ser revista no prazo de um ano a partir do resultado da arrecadação. Não foi.”
Quando o governo concordou em acabar com a cumulatividade da Cofins, sabia que a mudança geraria ganhos para alguns setores e perdas para outros. Em linhas gerais, quem venceu foram os supermercados, que têm margem pequena de agregação de valor e as grandes empresas industriais – razão pela qual, lembra Everardo, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter insistiu tanto para que o governo alterasse a forma de cobrança da contribuição. “Quanto maior a cadeia produtiva, maior o benefício da não-cumulatividade”, observa o economista Rogério Miranda, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
No grupo dos perdedores, estão os prestadores de serviços e o agronegócio, que agregam menos valor a seus produtos. Para esses setores, o aumento de alíquota teve impacto brutal. A situação chegou a um ponto que, recentemente, escritórios de advocacia tributária, instados por empresas do setor de serviços, solicitaram a Everardo a elaboração de uma proposta que permita ao setor voltar a pagar a Cofins de forma cumulativa.
“Eu faço o trabalho, mas, antes, venham aqui com um pedido de desculpas”, brinca o ex-secretário, referindo-se à velha demanda do setor privado pelo fim da cumulatividade da contribuição.
Há uma curiosidade que derruba, em parte, a celeuma criada em torno da cumulatividade da Cofins. No sistema tributário brasileiro, as empresas podem optar pela tributação com base no lucro presumido, um sistema simplificado e menos oneroso de pagamento do Imposto Renda, ou pelo lucro real, que exige das companhias a apresentação de todos os documentos fiscais comprobatórios de suas atividades. Atualmente, apenas 7% das empresas são tributadas com base no lucro real; 20% pagam pelo lucro presumido e 73% pelo Simples (o regime das micros e pequenas empresas).
Ocorre que tanto no Simples quanto no sistema de lucro presumido, o pagamento da Cofins é feito de forma cumulativa. “Conclui-se, portanto, que, opcionalmente, o contribuinte brasileiro pessoa jurídica, em 93% dos casos, prefere o regime cumulativo. Trata-se da maioria esmagadora”, pondera Everardo. “Só está no Cofins cumulativo quem está no lucro presumido, que, por sua vez, é opcional. No lucro real, a Cofins é não-cumulativa.”
A alíquota efetiva média do lucro presumido – o quociente entre o que as empresas pagam e suas receitas – é 3,87%. Já a do lucro real é 1,22%. Ainda assim, há mais empresas optando pela tributação do presumido, portanto, pelo pagamento da Cofins cumulativa. A razão está no chamado custo de conformidade, ou seja, no custo que as empresas têm para pagar impostos. “Os custos no lucro presumido são muito menores e a segurança é muito maior”, diz o ex-secretário.
Na prática, a Cofins acabou se transformando numa espécie de “adicional do Imposto de Renda”. “A base de cálculo é igual. Nas empresas que estão no lucro presumido, a base do IR é a receita bruta, a mesma da Cofins e do PIS. Realmente, a Cofins não é um bom tributo”, diz Everardo. “Também provoca distorções, porque não depende do lucro da empresa, e sim do faturamento”, acrescenta Miranda, do Ipea.
O que fez o governo federal aumentar de maneira forte a arrecadação da Cofins e de outras contribuições, como o PIS, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a CPMF foi o fato de não estar obrigado legalmente a repartir com Estados e municípios as receitas desses tributos. Desde o início dos anos 80, antes mesmo da promulgação da Constituição, que agravou ainda mais a situação, aumentaram-se as transferências da União para os outros entes da federação. Além disso, o governo federal ganhou atribuições, como a universalização dos serviços de saúde.
“Uma combinação perversa de perda de receita com aumento de despesa. O procedimento de caráter compensatório foi a União elevar as contribuições”, sintetiza Everardo. Na sua avaliação, o problema está, portanto, na partilha de rendas entre os entes da federação. Ela foi feita nos anos 60 e é focada no IR e no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). “Se cortarmos hoje a Cofins, teremos que aumentar muito a carga tributária. A partilha ideal seria o conjunto dos tributos federais e não um ou outro imposto”, defende o ex-secretário.
O governo Lula, que recentemente anunciou que pretende avançar as discussões da reforma tributária, paralisadas desde 2003 no Congresso, está diante de uma armadilha. A receita da Cofins e de tributos como a CPMF cresceu de tal forma que os governadores estão exigindo a repartição do bolo. Além disso, fica difícil mexer nos impostos “ruins”, porque eles são justamente os que mais arrecadam. Miranda chama a atenção para a má qualidade do “mix” tributário. “O IPI, que é um imposto sobre valor agregado, com boas características, está perdendo espaço especialmente para as contribuições, que são tributos distorcidos, particulamente a CPMF”, explica o economista.
De fato, a participação do IPI no bolo tributário federal recuou de 20% em 1992 para 7,18% em 2006. “O ‘mix’ tributário é muito ruim. Não se faz nenhum esforço para melhorá-lo. A carga de quase 40% do PIB é ruim por si só, mas tendo o ‘mix’ tributário que temos, pioram ainda mais as condições econômicas. Seria muito melhor uma carga tributária de 40% do PIB no IR e no IPI, do que de 40% de CPMF”, compara Miranda.
Receita descarta revisão nas alíquotas da Cofins
A Cofins deixou de ser cumulativa em 2004. Passou, portanto, a ser tributo sobre o valor agregado. O secretário-adjunto da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto, diminui a relevância do salto de arrecadação que esse tributo deu. Para o secretário, o mais adequado é verificar a relação entre a receita da Cofins e o Produto Interno Bruto (PIB). Mesmo neste cálculo, que o secretário prefere, o imposto explodiu em arrecadação, dando um pulo de 1,01% em 1992 para 4,48% em 2005.
A Receita informa que, em 1990, o Finsocial, precursor da Cofins, arrecadou o equivalente a 1,6% do PIB. A arrecadação da Cofins, em 1992, representou 1,01% do PIB. Em 2002, esse tributo arrecadou 3,78% do PIB. Em 2005, chegou a 4,48%. Um fator que explica o aumento da arrecadação, segundo Barreto, é a cobrança sobre instituições financeiras, em 1999, e a incidência sobre as importações, em 2004.
“A Cofins era distorciva no regime cumulativo. As importações não eram tributadas, as empresas eram forçadas a verticalizar sua produção, os exportadores não conseguiam ver seus créditos reconhecidos e o fisco tinha imensa dificuldade em desonerar os bens de capital”, comenta Barreto.
A Receita admite que a Cofins é um tributo de apuração complexa porque, no regime não cumulativo, permite o desconto dos valores pagos em etapas anteriores da produção. “O regime da Cofins cumulativa era simples, mas distorcivo. Optou-se por um modelo mais sofisticado, porém mais justo. A vantagem é a não cumulatividade, que tem formas complexas em todo o mundo”, justifica o secretário.
Nesse ambiente complexo, a Receita revela que a maior parte das consultas sobre Cofins enviadas pelos contribuintes é com relação aos insumos que dão direito a crédito. Em segundo lugar, vêm as dúvidas sobre o crédito presumido na atividade agroindustrial. Outros temas freqüentes nas consultas são a imunidade nas exportações de serviços e o desconto de créditos na revenda de produtos monofásicos.
Sobre a polêmica da necessidade de revisão da alíquota de 7,6% adotada a partir de 2004 – ela era de 3% no regime cumulativo – Barreto afirma que foi desnecessária porque, segundo a Receita, a alíquota estava calibrada, sem distorção para produção e preços na economia.
Barreto informa que a Receita não recebeu pedido para que o setor de serviços volte a recolher a Cofins no regime cumulativo. Mas adianta que não há como atender a essa reivindicação sem reduzir a arrecadação e desequilibrar a dinâmica econômica. “Fora do lucro presumido, pode ter ocorrido uma redistribuição da carga, setorialmente. Mas o Estado tem de olhar para todos”, explica o secretário-adjunto.
Ainda recolhem PIS e Cofins no regime cumulativo os setores de telecomunicações, construção civil, transporte aéreo, educação e saúde. O modelo original previsto pelo governo não contemplava essas exceções, mas o Congresso assim determinou.
Os críticos da Cofins costumam apontar que esse tributo prejudica as cadeias mais curtas e as que agregam pouco valor aos seus produtos. O agronegócio é o exemplo mais citado. Mas Barreto contesta esses argumentos e diz que, pelo fato de esse setor usar insumos de pessoas físicas, criou-se o crédito presumido. Do valor das compras feitas de agricultores, a indústria ligada à agricultura tem direito a um crédito presumido de 35%. Para a pecuária, é de 60%. Na agricultura, fertilizantes, sementes, adubos e medicamentos veterinários não pagam PIS e Cofins.