O presidente e a Previdência

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Cid Heraclito de Queiroz


A respeito do déficit da Previdência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou à Rádio CBN, em julho, o que seus assessores nunca admitiram: ‘Esse déficit foi programado pela Constituição de 1988, quando incluiu 6 milhões de trabalhadores rurais na Previdência’ e ‘quando a gente criou o estatuto do idoso, aprovou a Loas. Essas pessoas passaram a ter um benefício que deveria ser do Tesouro Nacional e não da Previdência.

Cid Heraclito de Queiroz


A respeito do déficit da Previdência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou à Rádio CBN, em julho, o que seus assessores nunca admitiram: ‘Esse déficit foi programado pela Constituição de 1988, quando incluiu 6 milhões de trabalhadores rurais na Previdência’ e ‘quando a gente criou o estatuto do idoso, aprovou a Loas. Essas pessoas passaram a ter um benefício que deveria ser do Tesouro Nacional e não da Previdência. Então isso é contabilizado como déficit da Previdência, quando a responsabilidade é do Tesouro, porque são milhões de pessoas sendo beneficiadas’ e ‘quando aprovamos a inclusão de milhões de pessoas que não tinham contribuído, ficava claro que era o Tesouro que tinha de arcar com essa responsabilidade. Por isso foi criada a Cofins, para ajudar a pagar.’ E, em declaração publicada no Estado (29/11), concluiu: ‘Temos de encontrar é uma saída para o déficit do Tesouro.’


Não há, em verdade, déficit no Regime Geral da Previdência Social. O déficit é do Tesouro Nacional. Segundo o Relatório de Execução Orçamentária de 2005, a receita das contribuições de empregados e empregadores (R$ 111,6 bilhões) foi superior à despesa com as aposentadorias e pensões de 23 milhões de segurados da Previdência (cerca de R$ 106,8 bilhões), gerando o superávit de R$ 4,8 bilhões. Todavia, a despesa com os benefícios pagos a 6 milhões de aposentados rurais e outros, que nunca contribuíram para o sistema (cerca de R$ 35,8 bilhões), foi ’empurrada’ para a conta da Previdência, quando teria de ser custeada pela verba da assistência social, alimentada pela receita da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) mais a da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Por ilusionismo contábil, o superávit foi transformado no déficit de R$ 30,8 bilhões, divulgado com alarde, para justificar novas reformas contra os segurados. Apenas 27% (R$ 30,8 bilhões) da receita da Cofins mais a da CSLL em 2005 (R$ 114,2 bilhões) bastaram para cobrir tal déficit.


Desde 2000, 20% das receitas da seguridade social são desviadas para o Tesouro a fim de custear o rombo dos juros da dívida e da administração paquidérmica. Esse desvio – a chamada Desvinculação de Recursos da União (DRU), proibido pelo artigo 167, XI, da Constituição – viola o princípio constitucional de separação entre os Orçamentos do Tesouro Nacional e da Seguridade Social e já monta a R$ 150 bilhões, o que deveria ter sido um empréstimo, com juros e correção, nunca um seqüestro de recursos da Previdência. É uma crueldade impor aos trabalhadores o custeio de despesas com assistência social a terceiros e, ainda, o seqüestro de 20% da receita previdenciária.


O presidente advertiu que não se pode ‘jogar mais sacrifício nas costas dos trabalhadores’, cabendo ‘encontrar uma solução’. A solução está na Constituição: separar os dois Orçamentos (artigo 165, @ 5º) e criar o Fundo do Regime Geral (artigo 250), que acumularia os superávits anuais, e o Fundo da Previdência dos Servidores Públicos (artigo 249), que receberia, inclusive, as contribuições da União (empregadora). Ambos com gestão paritária, administração pela Caixa Econômica e aplicação dos recursos no mercado financeiro e não em ‘maracutaias’.


Para o presidente, ‘não há nenhum país no mundo com sistema de inclusão social como foi a dos trabalhadores rurais na Previdência Social… uma forma de fazer política de distribuição de renda’ e que ‘deve ser motivo de orgulho para o Brasil’. Realmente, a Previdência Social é o maior programa de redistribuição de renda em todo o planeta e não é devido a governo algum, mas aos constituintes, que o inscreveram na Carta de 1988. Todos os beneficiários da Previdência sabem que são titulares de direitos constitucionais, como contrapartida de anos de trabalho e contribuição, e não donatários de bolsas, vales, etc. Não há necessidade de mais uma reforma. A criação de conta vinculada a cada trabalhador importará no fim das isenções e da sonegação. Cada segurado será um fiscal. Os lucros do Fundo (como no FGTS) permitirão o custeio dos benefícios quando a conta vinculada for insuficiente. Não há ‘déficit’ na Previdência. Basta enquadrar a contabilidade na transparência ditada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), artigo 50, IV, e cumprir a Constituição. Reduzir benefícios, desvinculá-los do salário mínimo, etc., num país com tantas e tão graves tensões sociais, é puro terrorismo.


Cid Heraclito de Queiroz, ex-procurador-geral da Fazenda Nacional (1979-1991), deu forma jurídica ao projeto da LRF


 

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