Paulo Paiva
Do Estado de Minas
Os empresários brasileiros querem mudar a nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências, que entrou em vigor em junho do ano passado. Na verdade, a mudança reivindicada pelo setor resume-se a um único ponto: o que obriga as empresas em dificuldades a apresentar Certidões Negativas de Débitos (CNDs) junto à Receita Federal antes de ter acesso aos benefícios da nova legislação.
Paulo Paiva
Do Estado de Minas
Os empresários brasileiros querem mudar a nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências, que entrou em vigor em junho do ano passado. Na verdade, a mudança reivindicada pelo setor resume-se a um único ponto: o que obriga as empresas em dificuldades a apresentar Certidões Negativas de Débitos (CNDs) junto à Receita Federal antes de ter acesso aos benefícios da nova legislação. Para empresários e analistas, a obrigação fere os princípios da própria lei, já que confere à Receita prioridade no recebimento das dívidas, em detrimento dos demais credores.
O desejo de alterar esse ponto foi captado pela segunda pesquisa “Recuperação de Empresas”, realizada pela consultora Deloitte junto a mais de 100 organizações em todo o país, todas com faturamento anual a partir de R$ 50 milhões. Cerca de 75% dos entrevistados assinalaram esse tópico na questão “o que mais precisa mudar” na nova lei.
Em segundo lugar, está a “não previsão de mecanismos de proteção ao gestor judicial da empresa em dificuldade, diante dos riscos implícitos ao seu papel”. Aparecem depois, praticamente empatados, “o grau de equilíbrio de poder proporcionado entre as classes de credores”, o “prazo para entrega do plano de recuperação judicial”, e “os requisitos formais para a condução do plano de recuperação e os custos dele recorrentes”.
“O Fisco se colocou numa posição prioritária em relação a todos os demais credores e não abriu a possibilidade de negociação. Isso é uma visão de curto prazo, sem qualquer preocupação com os empregados da empresa”, diz Luiz Alberto Fiore, sócio da área de corporate finance da Deloitte.
“O Ministério da Fazenda deveria ter o mesmo tratamento dos demais credores, já que o passivo fiscal afeta todos os demais pontos para se equacionar e reestruturar a dívida de uma empresa. Mas o Leão tem fome”, reforça o advogado tributarista Paulo Fernando Toledo, cujo escritório em São Paulo é responsável pela defesa da Varig – um dos casos mais famosos de empresa que se socorreu na nova lei. “O problema é que, com isso, o governo acaba prejudicando a eficácia da recuperação das empresas”, diz o tributarista.
A Deloitte tem, inclusive, uma proposta de mudança já elaborada para esse ponto. “Uma alternativa real seria a criação de um modelo de liquidação de débitos que combinasse a extensão do prazo máximo de pagamento com a oferta de incentivos para que a empresa honrasse seus compromissos no menor tempo possível”, diz Fiore.
Na prática, a Deloitte propõe um limite de 20 anos para que as empresas em recuperação pagassem suas dívidas com o Fisco. Mas na medida em que a empresa, com base na geração de caixa prevista no Plano de Recuperação aprovado na Assembléia de Credores, pudesse optar por um prazo menor de pagamento, ela passaria a contar com fatores de redução de custo, como a substituição da taxa Selic pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e a isenção de eventuais multas.
Segundo Fiore, o próprio Judiciário já assimilou as dificuldades provocadas pela exigência de CND. “O Judiciário está entendendo que ainda falta regulamentar esse ponto, e estão aceitando que as empresas tenham acesso à lei mesmo sem a CND”, garante. O problema é que o entendimento do Judiciário pode mudar – e, antes que isso ocorra, os empresários pretendem mudar a lei. “Alterações nesse sentido já estão sendo discutidas por especialistas”, diz Toledo.
Um marco para o setor empresarial
A nova Lei de Falências é considerada, por especialistas, um marco para o setor empresarial. A antiga legislação, sexagenária, deixava pouquíssima margem para a efetiva recuperação da empresa e quase sempre os credores saíam a ver navios. A nova legislação, segundo a Deloitte, nasceu para estimular a recuperação de empresas que, apesar da crise financeira, ainda se apresentem viáveis, e acelerar a decretação da falência daquelas que não conseguissem comprovar sua viabilidade.
Entre as vantagens na nova lei estão, por exemplo, o oferecimento de maior proteção aos credores – em especial, àqueles com garantias reais (bancos) -, o que corrige distorções em relação à ordem de prioridade para recebimentos. Mas a prioridade é mesmo para os credores trabalhistas. A lei também extinguiu a figura da concordata, que estipulava prazo de dois anos para que a empresa se recuperasse. A legislação atual não define prazos. Dois exemplos mostram a diferença entre as leis: a Transbrasil foi à lona pela antiga legislação, e até hoje continua parada. A Varig pegou a nova lei, e já está voando.
“Antes, quando uma empresa pedia concordata, era um salve-se quem puder. Mas agora há o entendimento de que o melhor caminho é a negociação entre empresa e credores para a recuperação da empresa. É uma mudança cultural”, garante Luiz Alberto Fiore, da Deloitte.
E, ao que tudo indica, o aprendizado será longo. Segundo a pesquisa da Deloitte, a maior dificuldade da nova lei é justamente a negociação entre as empresas e os credores sobre o plano de recuperação. Somente depois do acordo entre as partes é que a companhia pode requerer a homologação de seu processo como “recuperação judicial”. “Mas isso será vencido. Estamos numa fase de aprendizado”, garante Fiori.
Essa dificuldade fica ainda mais clara no terceiro ponto indicado entre os “maiores obstáculos” da lei: a ausência de cultura empresarial que favoreça o compartilhamento da gestão da organização. Em quinto lugar, aparece a “preponderância de uma cultura empresarial que evita a exposição das dificuldades”. Tradução: séculos de gestão familiar e centralizada deixaram às empresas brasileiras, como herança, uma cultura de pouca transparência. “Essa mudança de cultura vai demorar, mas vai acontecer”, garante o sócio da Deloitte.
Legislação tem ampla aceitação, apesar de restrições
Apesar de algumas restrições, a nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências recebeu ampla aprovação dos empresários ouvidos na pesquisa da Deloitte. Nada menos que 94% dos entrevistados assinalaram que a nova legislação aumenta de fato a possibilidade de recuperação das empresas. Na primeira pesquisa, em 2005, esse percentual era de 78%.
Há outros dados positivos. A pesquisa mostra, por exemplo, que aos poucos as empresas vão assimilando a nova lei. Em 2005, 7% dos entrevistados garantiram que desconheciam completamente o conteúdo das normas. Agora, esse percentual caiu para apenas 1%. Mas a maioria das empresas, tanto no ano passado como agora, afirma conhecer apenas as linhas gerais da lei. Seja como for, o índice de empresários que garante conhecer a íntegra dobrou, passando de 11% para 22%.
Outro fator positivo detectado pelo levantamento é que, para 94% das empresas, a nova lei obriga um maior envolvimento dos credores na recuperação da empresa devedora. “Estamos criando uma nova mentalidade no setor empresarial. Antes, quando uma empresa pedia concordata, havia um sentimento muito negativo em relação à sua recuperação. Agora, estamos verificando mudança na ótica dos agentes econômicos: os credores estão deixando de ser espectadores passivos e estão se tornando participantes ativos do processo de recuperação”, lembra o advogado Paulo Fernando Toledo, que se considera um “entusiasta” da nova legislação.
Do total de entrevistados, 36% assinalaram que os credores trabalhistas deveriam ter prioridade no recebimento do crédito – um aumento de 15 pontos percentuais em relação à pesquisa de 2005. Em segundo lugar, em empate técnico (35%) aparece os credores com garantia real. O Fisco fica na penúltima colocação, com apenas 14%.