Três entidades sindicais questionaram ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) a medida provisória assinada na segunda-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que criou um fundo de investimento com aplicação de R$ 5 bilhões do patrimônio líquido do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Três entidades sindicais questionaram ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) a medida provisória assinada na segunda-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que criou um fundo de investimento com aplicação de R$ 5 bilhões do patrimônio líquido do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A MP faz parte do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), divulgado pelo governo.
Movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, pela Força Sindical e pela CGT, a Ação Direta de Iinconstitucionalidade (Adin) foi protocolada no STF pelo presidente da Força Sindical e deputado federal eleito Paulo Pereira da Silva (PDT-SP). Na ação, as entidades pedem que seja suspensa a parte da MP que criou o fundo de investimento.
“O argumento principal é que o Fundo de Garantia é um patrimônio dos trabalhadores”, afirmou Paulo Pereira da Silva, o Paulinho. “No nosso ponto de vista, o governo está confiscando R$ 5 bilhões, que pode chegar a 17 (R$ 17 bilhões), para criar um fundo para depois nos vender até 10% das ações. Ou seja, pega o nosso dinheiro para depois nos vender novamente”, disse o deputado federal eleito.
Segundo Paulinho, essa situação pode criar um precedente perigoso. “Se o governo retira R$ 5 bilhões hoje, daqui uns dias vai faltar dinheiro e de novo ele vai tirar. Daqui uns dias, não teremos mais dinheiro nem para pagar indenizações dos trabalhadores quando perdem o emprego. Achamos que o patrimônio do fundo tem de ser preservado e esperamos que o Supremo suspenda esse tipo de investimento”, afirmou.
O sindicalista chegou a falar em Transamazônica quando foi questionado a respeito da afirmação da ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, de que o fundo será rentável. “Vamos supor que lá atrás os militares tivessem pego o nosso Fundo de Garantia e investido na Transamazônica ou na linha 4 do Metrô de São Paulo”, disse.
De acordo com Dilma, o fundo de investimento em infra-estrutura para pessoas físicas que será criado é muito importante para o próprio FGTS.
“Nós vivemos hoje um momento de transição entre taxas de juros elevadas e taxas mais condizentes com investimentos de longo prazo. O que vai acontecer é que cada vez mais vai ser bastante atrativo, até para o próprio fundo, que ele tenha o retorno que esses investimentos propiciarão. Até porque a renda fixa vai tender a cair”, afirmou a ministra.
Paulinho afirmou que os sindicalistas oferecerão outras alternativas ao governo. Uma reunião deverá ocorrer na próxima semana. Entre as alternativas, ele citou o uso de um modelo semelhante ao adotado pela Vale do Rio Doce e pela Petrobras, “em que cada um individualmente investe nos projetos que o governo quer fazer”. O sindicalista disse que, se a MP for mantida pelo STF, o PDT votará contra no Congresso.
Na ação, as entidades alegam que, além de autorizar o uso dos recursos do FGTS para a criação do fundo, a MP não exigiu que a gestora, a Caixa Econômica Federal (CEF), garanta uma rentabilidade mínima ou assuma os riscos das aplicações. “A medida provisória atacada pela presente ação disponibiliza para uma “aposta” os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, colocando em risco um direito social de todos os trabalhadores brasileiros”, sustenta a Adin.
Reação
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, classificou de “ridícula” a iniciativa das centrais de ingressar com a Adin no Supremo. Marinho assegurou que o trabalhador não perderá recursos com essa nova medida, porque os investimentos serão escolhidos por critérios rigorosos que garantirão sua rentabilidade. “Em último caso, o Tesouro Nacional cobrirá”, disse Marinho. Ele afirmou que o FGTS só pode aplicar em uma obra 30% dos recursos.
Irônico, Marinho disse que é preciso avaliar “sob encomenda de quem” as críticas à MP 349 estão sendo feitas. “Nossos amigos da bolsa de valores não gostam da proposta, porque gostariam que fosse aprovado um projeto liberando o trabalhador para comprar ações”, disse. O ministro disse ser contra essa idéia, pois comprar ações “não gera empregos”.
O ministro insistiu que a aplicação de recursos do FGTS em infra-estrutura “não trará perda ao trabalhador eque nada dará errado. Não existe essa possibilidade”, afirmou. Ele explicou que, se todos os trabalhadores decidissem sacar seu saldo do FGTS, haveria dinheiro para todos e ainda sobrariam R$ 21 bilhões. Esse é o chamado superávit financeiro do FGTS. Inicialmente, serão usados R$ 5 bilhões de superávit, mas o montante poderá chegar a R$ 17 bilhões, segundo o texto da MP.
O dinheiro do fundo será aplicado em projetos escolhidos com rigor. A Caixa, que tem longa tradição em financiar obras de saneamento, vai analisar os projetos nessa área. O BNDESvai analisar os projetos em infra-estrutura. As duas instituições, disse Marinho, têm conhecimento para fazer avaliações seguras.
Marinho estimou que só daqui a dois anos, aproximadamente, o trabalhador será autorizado a investir parte de seu saldo no FGTS em infra-estrutura. Ele explicou que o governo vai aguardar a aprovação da MP 349, antes de regulamentar a aplicação pelo trabalhador. As regras precisarão, ainda, passar pelo crivo do Conselho Curador do FGTS. A aplicação será voluntária e limitada a 10% do saldo do trabalhador.
O ministro estima que a rentabilidade média das aplicações em infra-estrutura será equivalente à TR mais 6% ao ano. Uma vez aplicado, o dinheiro ficará retido por um prazo que variará conforme o tipo do projeto
Presidente da OAB afirma que MP é ilegal
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, considerou ilegal a medida provisória editada pelo governo federal que estabelece o uso de R$ 5 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para investimentos em infra-estrutura. A MP integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e prevê que o dinheiro do patrimônio líquido do FGTS possa ser usado nesses investimentos.
“O desvio é de finalidade. Quando a lei determina quais as finalidades, particulariza, é o império legal que determina onde deve ser aplicado. Quando se generaliza parte dessa verba, você não está aplicando o que determina a legislação”, afirmou Busato.
O presidente da OAB disse que a MP, como ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional, não tem valor legal até ser endossada pelos parlamentares. “O que não foi aprovado não existe no mundo jurídico, portanto é ilegal essa parte do PAC”, afirmou.
Busato também criticou o fato de o programa ter sido lançado pelo governo sem a participação de entidades, da sociedade civil e de entes federativos na discussão do plano – o que ele considerou ser “totalmente antidemocrático”, realizado “pela porta dos fundos”.
“Isso foi feito sem qualquer discussão prévia com a sociedade civil, com o Congresso Nacional, com os governadores de estado, o que coloca em xeque até a possibilidade de sucesso do programa”, afirmou.
O presidente da OAB criticou, ainda, a execução de parte do PAC por meio de medidas provisórias. “Torcemos para que o plano dê certo, mas ele poderia ir pela via normal, numa discussão no Congresso Nacional em caráter de urgência para nós recuperarmos o tempo perdido”, afirmou.
No uso FGTS, sobrou ousadia ao governo
A aplicação de R$ 5 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em cotas de um fundo de investimento, o FI-FGTS, é a medida mais polêmica do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Tanto que está sendo a primeira a ser contestada judicialmente. Nela, sobra a ousadia que o presidente Lula cobrou da equipe para o resto do plano. A começar pela disposição de enfrentar as centrais sindicais logo no início do mandato, ao contrário de temas igualmente espinhosos como a reforma previdenciária.
Aberto o precedente, a MP 349 permite que até 80% do patrimônio líquido do FGTS, hoje da ordem de R$ 21 bilhões, seja aportado no fundo, destinado a investimentos em infra-estrutura. Nomes influentes da base governista, como o senador do PMDB e ex-ministro do Trabalho Francisco Dornelles, advertiram para os riscos políticos e jurídicos da proposta. Opositores e sindicalistas teriam margem para argumentar com a falta de urgência que justifique o uso de uma MP e com o fato da MP 349 contrariar a lei que criou o FGTS, que vincula claramente os recursos à indenização de demissões e a projetos de habitação e saneamento.
A necessidade de liberar recursos e as limitações de caixa do governo, sozinhas, não explicam a ousada opção da equipe de Lula. Parte significativa dos investimentos previstos no PAC é exatamente em saneamento e habitação, em um montante que se aproxima dos R$ 53 bilhões só em subsídios à moradia popular. O uso dos recursos do FGTS em projetos dessa área dispensaria provavelmente o recurso à polêmica MP. Projetos em estradas, portos, energia e petróleo terão fontes de recursos em outras áreas, de recursos multilaterais a juro baixo e prazos longos. Como os da Corporação Andina de Fomento e do Banco Mundial, a aplicações voluntárias dos fundos de pensão, na sua maioria dirigidos por petistas e com ativos próximos dos R$ 100 bilhões, cinco vezes o patrimônio líquido do FGTS.
Descartada a hipótese de erro técnico puro e simples, dada a competência demonstrada pelas equipes do ministro Guido Mantega e da ministra Dilma Rousseff em desafios como a regulamentação do crédito consignado ou a indenização das distribuidoras pelos prejuízos com o racionamento de energia, fica a dúvida sobre o que motivou escolha tão arriscada para custear investimentos. Ainda mais diante de precedentes favoráveis como a liberação de R$ 2,5 bilhões pelo Conselho Curador do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para programas de incentivo à exportação de manufaturados, negociada pelo então presidente da CUT Luiz Marinho. Ou a adesão altíssima dos trabalhadores à possibilidade de aplicar recursos do FGTS, até o limite de 50% (cinco vezes o teto agora proposto) da cota individual no momento da adesão, em fundos lastreados em ações da Vale e da Petrobras.
Para o retorno em grande estilo do Estado indutor, Lula valeu-se de um exemplo de 30 anos atrás, o do governo Geisel. O paralelo para a desenvolta tentativa de assumir o controle integral do FGTS e de suas prioridades de aplicação deve ser buscado mais longe. Brasília, meta-síntese da integração nacional que Juscelino Kubitschek traçou como rota para seu encontro com a história, jamais ficaria pronta sem o uso dos recursos livres dos fundos de aposentadoria dos funcionários públicos, que não se recuperaram do golpe e terminaram liquidados por insolvência no regime militar.
Expulso do Nordeste pela seca para construir vitoriosa e inédita carreira política na maior economia do país, São Paulo, Lula teve de adiar vezes sem conta o início das obras de transposição das águas do São Francisco para o semi-árido. Não seria um esforço de imaginação vincular uma coisa à outra. Ainda mais quando se sabe que o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, maior entusiasta da transposição e principal opção governista fora do PT á sucessão de Lula, foi dos últimos a deixar o Planalto, na noite que antecedeu o anúncio do PAC.