Sem autonomia formal, BC mostra independência

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CEZAR FACCIOLI


Henrique Meirelles ouviu o mercado, como cobrou-lhe em tom jocoso o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a taxa Selic. A proporção do corte, de 0,25 ponto percentual, foi ao encontro das previsões da maioria dos analistas do mercado financeiro.

CEZAR FACCIOLI


Henrique Meirelles ouviu o mercado, como cobrou-lhe em tom jocoso o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a taxa Selic. A proporção do corte, de 0,25 ponto percentual, foi ao encontro das previsões da maioria dos analistas do mercado financeiro. Na conversa que deverá ter com o presidente Lula no vôo para o Forum Econômico Mundial, em Davos, Meirelles viverá um teste de tensão comparável a janeiro do ano passado, quando dias antes da segunda mais longa reunião do Comitê de Política Monetária o presidente Lula desabafara que 0,75 ponto percentual era “o mínimo de corte aceitável”. O BC seguiu o alerta, não sem divisões internas. Esse comentário, contudo, foi a exceção e não a regra no convívio entre Lula e o BC ao longo dos mais de quatro anos de mandato.


Tomada dois dias depois do anúncio do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), a decisão de ontem do Copom é uma demonstração de força do Banco Central, a quem o presidente Lula negou autonomia formal mas concedeu um grau de independência inédito. “Nunca na história deste País”, como o presidente tanto gosta de dizer, a Fazenda e o BC ficaram seis meses sem reuniões conjuntas, nem o presidente do BC teve status de ministro ou sobreviveu a um pedido público de sua saída do posto apresentado pela Executiva do partido do presidente.


O último presidente do BC, até então, a passar mais de quatro anos no posto foi Arminio Fraga, nomeado em março de 1999, para debelar uma crise cambial que custou os postos a Gustavo Franco, o homem da âncora que permitiu ao Plano Real superar as turbulências iniciais mas custou US$ 70 bilhões em reservas ao País, e ao sucessor Gustavo Lopes, defenestrado US$ 20 bilhões e dois dias depois de tentar emplacar a banda diagonal endógena. Antes de Arminio, tamanha longevidade soava impossível em ambiente democrática, pois apenas Denio Nogueira, o primeiro ocupante do posto, e Paulo Lyra, supremo mandatário do BC no governo Geisel, tinham alcançado a proeza.


DESAFIO. Apresentado a Lula pelo senador Aloizio Mercadante, o deputado federal tucano trocou a posse e o sonho de governar o estado natal, Goiás, pelo desafio de ajudar o governo do PT a vencer uma desconfiança entre investidores internacionais que levara o risco-país de 800 para 2.400 pontos básicos. Teve sucesso, bancado pela disposição de Lula em enfrentar as resistências na base de apoio do governo, lideradas pelo então todo-poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu.


A guinada à esquerda e a retórica antiprivatista que ajudaram Lula no segundo turno da eleição presidencial a distanciar-se ainda mais do tucano Geraldo Alckmin, derrotado por 20 milhões de votos de diferença, animaram os petistas a cobrarem publicamente mudanças no BC. Lula, já sem o auxílio luxuoso de Antonio Palocci, o guardião da ortodoxia na Fazenda, desautorizou a articulação, renovando o apoio a Meirelles.


O corte tímido das taxas aprovado ontem, ao cabo de uma das mais longas reuniões do Copom, indica que o BC, como propunha um documento recente do Unibanco, prefere indicar uma trajetória mais longa de cortes, até bater no piso sugerido pelo mercado, da ordem de 12,2% na média do ano e 11,5% em dezembro. A decisão de ontem, muito provavelmente, deve renovar as pressões internas por mudanças na diretoria do BC, particularmente contra Afonso Bevilacqua, o mais conservador dentre os atuais diretores. O comando do PT, por ora, parece ter desistido de forçar a substituição de Meirelles, não por acaso um dos acompanhantes principais, ao lado de Luiz Fernando Furlan, do presidente Lula no Forum Econômico Mundial, em Davos.


Atento à batalha das expectativas ao ponto de impedir que o Jornal Nacional, de maior audiência no país e maior influência na população de baixa renda que foi decisiva para a eleição de Lula, tivesse tempo de repercutir a decisão, até certo ponto frustrante, de cortar os juros em apenas 0,25, a equipe do BC viverá um desafio político talvez maior. Basta observar que o segundo mandato de Lula começou com aumentos do salário-mínimo negociados à margem da Fazenda e um pacote baseado no reforço do investimento público à vista, e em medidas de controle da expansão dos gastos a prazo, sem cortes imediatos. Se isso vai significar frouxidão fiscal ou se a dívida comop proporção do Produto Interno Bruto (PIB) irá reduzir-se, é uma aposta em aberto. O BC, que no segundo mandato de Lula joga com as pretas, com o primeiro movimento a cargo dos desenvolvimentistas, fez uma ousada demonstração de força ao optar por um ritmo mais lento de corte.


O ministro Guido Mantega afirmou, no lançamento do PAC, que suas projeções eram conservadoras, levando em conta o mercado. Resta saber se ele, expoente do desenvolvimentismo com Dilma Rousseff, levava em conta um a mudança de marcha tão rápida pelo BC.


INSATISFAÇÃO. Um texto recente da Fundação Perseu Abramo, o think tank do PT, indica bem a insatisfação do partido do presidente com a atual política. “É pública a existência de forças no atual governo que travam uma dura batalha para garantir a pauta econômica. De um lado, os chamados desenvolvimentistas, que defendem uma política que garanta o crescimento acelerado, rigor fiscal e controle da inflação, com geração de empregos e manutenção das políticas sociais. Neste campo, encontram-se o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Do outro, aqueles que defendem a ortodoxia econômica do ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles”, argumenta o paper, com o estilo do vice do partido, Wladimir Pomar. A conclusão, amarga, lembra um documento de oposição: “O Brasil manteve nos últimos quatro anos uma política de juros altos, superávit primário, que resultaram em um crescimento pífio, abaixo das médias mundiais”. É esse espírito que o recordista de longevidade e autonomia prática Henrique Meirelles, ex-BankBoston, terá de enfrentar.


 


 




 

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