A indústria de sapatos e roupas deixou 200 mil brasileiros na rua desde 2002, ano do início da série histórica da Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salários (Pimes) do IBGE.
Fabricantes de máquinas e equipamentos passaram a cortar vagas em 2006, afetados pelo salto de importações de bens de capital e, mais recentemente, pela migração de fábricas brasileiras para o exterior.
A indústria de sapatos e roupas deixou 200 mil brasileiros na rua desde 2002, ano do início da série histórica da Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salários (Pimes) do IBGE.
Fabricantes de máquinas e equipamentos passaram a cortar vagas em 2006, afetados pelo salto de importações de bens de capital e, mais recentemente, pela migração de fábricas brasileiras para o exterior.
O mesmo fenômeno abala empregos em vários outros setores que têm transferido produção para países vizinhos, como a Argentina e o Uruguai.”Temos que tomar cuidado para exportar produtos e não empregos. Petróleo e minério não dão mão-de-obra”, reclama o presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Paulo Tigre. Forte produtora de calçados, carnes e móveis, a indústria gaúcha é a mais afetada pela exportação de empregos.
Perdeu 14,5% nos últimos dois anos, como calcula o IBGE. Nesse período, cinco dos dez estados pesquisados demitiram mais do que contrataram.
Representantes da indústria, empresários e economistas ouvidos por este jornal apontam que os brasileiros desviaram investimentos que seriam feitos no País para a Argentina, Uruguai, China, Leste Europeu, Índia e México. Em vez de exportador de produtos, o País está se tornando exportador de empregos. “É lamentável ter que produzir lá fora, mas estamos fazendo experiência na Argentina. A moeda deles é mais favorável a exportações e o custo de produção do sapato é de 20% a 25% menor. Existe infelizmente a probalidade de crescermos lá em vez de aqui”, conta Paulo Picaddily, diretor comercial da empresa de calçados que leva seu sobrenome. A empresa, até agora, não precisou demitir funcionários, mas deu férias coletivas neste mês.
O executivo da Picadilly Calçados reclama da concorrência desleal dos chineses. “É tudo ‘made in China’. Já teve importação de sapato por US$ 0,25, com trabalho praticamente escravo. Lá, eles trabalham 14, 15 horas por dia. Dormitórios onde se colocaria dois, tem oito”, narra o empresário, que viajou ao país asiático para conhecer as fábricas de lá. Relatos parecidos com o do empresário mostram por que a pobreza continua aumentando num país que cresce a dois dígitos.
O custo de um operário no Brasil equivale ao de dois na China, de acordo com levantamento da consultoria Mercer Mercer Human Resource. Por um brasileiro, têm-se quatro indianos, considerando salários, encargos e benefícios – que não existem na Ásia. O custo da mão-de-obra não especializada na Argentina é em média 54% menor que a nossa. A Mercer mostra que quanto menos especializado, com menos instrução, maior a discrepância entre salários no mundo.
“Não podemos pagar benefícios a nossos funcionários nesses países para não desequilibrar o mercado; não podemos mudar práticas deles”, diz a gerente de Recursos Humanos da área internacional da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), Maria Eudóxia Gurgel.
Trabalhadores das economias asiáticas que mais crescem não contam com pagamento de abono de férias. Somente em Hong Kong há 13salário. Em compensação, o tigre asiático não exige pagamento de seguridade social. Japoneses só podem descansar de sete a 14 dias e meio por ano – o tempo de férias varia de acordo com a hierarquia do cargo, destaca a Mercer. Em Taiwan, o desencanso dura apenas 14 dias. Na China e no Japão são 18 dias de folga, em média.
“Há inúmeras empresas que por necessidade estão se internacionalizando. O Brasil não está oferecendo proteção necessária para que elas fiquem aqui”, disse o vice-presidente da Associação Brasileira de Exportadores (AEB), José Augusto de Castro. “A taxa de câmbio está criando cultura de investimentos no exterior”, diz. O especialista destaca que problemas de logística e infra-estrutura também estão levando empresas médias a investir fora do País.
A competição dos produtos importados atinge principalmenteos setores intensivosem mão-de-obra. Setores intensivos em mão-de-obra são os perdedores da competição estrangeira e respondem por mais de um terço dos trabalhadores da indústria. Vestuário e calçados, mesmo depois de quatro anos consecutivos de perdas, ainda respondem por 15% das vagas. O segmento de máquinas e equipamentos detém 6,5% na parcela de empregos do setor. Móveis e têxtil absorvem cerca de 10% dos empregos industriais.
Por outro lado, a indústria extrativa mineral, produtores de aço, de automóveis, de celulose e outras commodities têm pouca participação no emprego industrial. As vedetes da exportação, minério de ferro e petróleo, respondem apenas por 2,1% dos empregados de toda a indústria. A metalurgia, favorecida pelos bons ventos do aço – os investimentos estrangeiros em siderurgia no País não param de crescer – responde por 3% da mão-de-obra. E a produção de material de transportes (inclui as montadoras) tem apenas 1,3% do universo de trabalhadores.
Consumo interno
O setor industrial emprega hoje 5,3 milhões de pessoas, praticamente o mesmo número que aponta a última Pesquisa Industrial Anual do IBGE, de 2004. O levantamento atualizou a pesquisa anual com dados da Pimes, realizada mensalmente. O chefe do Departamento de Indústria, Silvio Sales, lembra que a indústria de alimentos, também intensiva em mão-de-obra, ganhou com as exportações e aumentou o total de funcionários nos últimos anos. Mas ele pondera que o setor também se beneficiou (principalmente) do aumento do consumo interno.
Massa salarial maiorAs indústrias de alimentos e bebidas, em especial naqueles segmentos mais exportadores, são exemplos de áreas onde houve aumento no número de empregados, em resposta à crescente inserção no mercado externo, mas também apoiadas na ampliação da massa salarial, que puxa a demanda deste tipo de produto. A demanda das famílias cresceu cerca de 4,2% no ano passado, de acordo com projeção elaborada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O aumento do consumo interno de álcool, somado às vendas do produto para os mercados internacionais, também é exemplo lembrado por Silvio Sales de indústria que tem aumentado a geração de empregos formais.