Os sintomas do aquecimento global vêm deixando de ser retórica científica para boa parte da indústria e do varejo quando isso significa mudanças bruscas de temperatura, que determinam o maior ou menor consumo de cerveja, refrigerante, sorvetes e ventiladores, entre outros produtos.
Os sintomas do aquecimento global vêm deixando de ser retórica científica para boa parte da indústria e do varejo quando isso significa mudanças bruscas de temperatura, que determinam o maior ou menor consumo de cerveja, refrigerante, sorvetes e ventiladores, entre outros produtos. Com isso, cresce o número de empresas que incorporam a previsão do tempo ao planejamento estratégico, ao lado de informações sobre concorrência e público-alvo.
Para quem vende itens típicos de verão, um calor além do previsto pode fazer toda a diferença entre negócios mais aquecidos ou contratos perdidos por falta de estoque. “A maior dificuldade é atender a demanda quando ela cresce repentinamente”, diz Mauro Saraiva, diretor de produção do Habib’s, rede de fast-food árabe que conta com a própria fábrica de sorvetes, a Porto Fino, marca que já é a terceira maior do varejo, depois de Kibon e Nestlé. Da produção total, 60% vai para grandes redes de supermercados, que chegaram a ficar sem o produto no verão do ano passado, quando uma onda súbita de calor atingiu o Estado de São Paulo, mercado da Porto Fino.
“Depois disso, investimos R$ 2 milhões e dobramos a capacidade de produção, que hoje é de dois milhões de litros por mês”, diz Saraiva. A Porto Fino também passou a contar com os boletins da Climatempo, uma das maiores empresas privadas de meteorologia do País. O objetivo é não estar desprevenida se houver uma corrida às lojas em busca de produtos para atenuar o calor. “Quando sabemos que vai haver aumento da temperatura no fim de semana, por exemplo, sugerimos ao varejista reforçar o pedido para não ficar sem estoque”, diz Saraiva.
As ações casadas entre fabricante e ponto-de-venda quando o clima muda também são adotadas pela Kibon, marca de sorvetes da Unilever. “A nossa área de ‘trade marketing’ usa as informações meteorológicas para intensificar iniciativas nos pontos-de-venda, como anúncios em tablóides ou promoções”, diz Patrícia Borges, gerente de marketing de impulso da Kibon, área que responde pelo consumo de picolés.
Uma vez que a venda do produto no palito é ainda mais sensível ao aumento do calor do que o sorvete de massa, a oscilação dos termômetros nos diferentes mercados é crucial para o marketing de impulso da Kibon. “Nós já sabíamos da chuva forte no final de 2006 no Sudeste e do calor acima da média destes primeiros meses do ano, o que nos ajudou a direcionar a distribuição”, diz Patrícia, que conta com os serviços da Somar Meteorologia.
A previsão do clima também vem influenciando decisões estratégicas da fabricante de cosméticos L’Oréal, que em setembro lançou o protetor Solar Expertise. “Seguramos a nossa distribuição de amostras grátis nas praias do Sudeste no final do ano por conta das chuvas”, diz Alejandro Lopez Nunez, superintendente da divisão de produtos de grande público da L’Oreal.
Os freqüentadores do litoral do Rio e de São Paulo só foram agraciados com amostras em fevereiro, quando o sol apareceu com força total. A preocupação da L’Oréal, que colocou o produto em 20 mil pontos e almeja 5% de participação este ano, é impedir que os clientes fiquem com estoques, já que a empresa não aceita devolução de produtos.
O medo de errar a hora dos lançamentos é o mesmo no Grupo Pão de Açúcar, líder nacional do setor de supermercados. Para conciliar a estréia da coleção outono-inverno da bandeira Extra, que reúne os hipermercados do grupo, com o escaldante mês de março, a empresa vem privilegiando modelos nas cores e estampas da nova estação, mas com mangas curtas.
“Também estamos apostando em edredons mais finos”, afirma Janaína Machado, diretora da área têxtil do grupo. Antes disso, foi preciso alterar o calendário do último verão – a coleção entrou nas prateleiras em agosto, em pleno inverno. Agora, é a vez dos artigos de praia surpreenderem. “Choveu tanto em janeiro e fevereiro, que estamos vendendo mais biquínis em março do que nos dois primeiros meses do ano”, diz ela, que vendeu 30% mais protetores nas duas primeiras semanas de março.
Nas vitrines da concorrente Renner, as cores do inverno também chegam com peças mais leves. Diferentemente do Extra, no entanto, a nova coleção chegou ainda em fevereiro. “A mulher volta do carnaval e já procura coisas novas”, diz Haroldo Rodrigues, gerente geral de compras.
Novidade é o que vem sendo o mês de março para os fabricantes de ventilador e ar condicionado. O período, marcado tradicionalmente por uma desaceleração no comércio desses itens, está apresentando novo pico de vendas, segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros).
Só os aparelhos de ar condicionado venderam 10% mais de janeiro ao início de março em comparação à mesma época de 2006. A Arno já tinha a expectativa de um verão mais longo.
“Temos comprado pesquisas de clima para nos auxiliar no planejamento”, diz Adriano de Toledo Oliveira, gerente de produto. Segundo ele, não houve falta de ventiladores pois o parque fabril da Arno é “flexível” para atender a demanda.
Também a fabricante de bebidas Ambev desmente a informação de que faltou cerveja no carnaval do Rio – período em que a cidade atingiu o pico de 37,7º. Sobre a falta do sorvete da marca Molico, a Nestlé informou que , por conta do forte calor, “está incrementando sua escala de produção para normalizar o abastecimento o mais rápido possível”.