O Estado de São Paulo Editoria: Economia Página: B-3
Na tarde de quarta-feira, quando os diretores do Banco Central (BC) concluírem a terceira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) deste ano, a taxa básica de juros poderá atingir o menor nível da história. Mas a marca ainda está longe de ser motivo de comemoração, já que o País continua na liderança dos maiores juros reais (descontada a inflação) do mundo.
O Estado de São Paulo Editoria: Economia Página: B-3
Na tarde de quarta-feira, quando os diretores do Banco Central (BC) concluírem a terceira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) deste ano, a taxa básica de juros poderá atingir o menor nível da história. Mas a marca ainda está longe de ser motivo de comemoração, já que o País continua na liderança dos maiores juros reais (descontada a inflação) do mundo. Além disso, um estudo revela que a taxa brasileira poderia, tranqüilamente, estar 2,25 pontos porcentuais abaixo da atual, de 12,75% ao ano.
O trabalho feito pelos economistas Edmar Bacha (Instituto de Estudos de Política Econômica), Márcio Holland (Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas) e Fernando Gonçalves (Fundo Monetário Internacional) mostra que o País reúne condições para respaldar taxa nominal na casa de 10,5% ao ano e juro real de 6,5%, sem correr riscos. “Tivemos muitas melhoras nos fundamentos econômicos, mas nossa taxa de juros continua como a de um país de inflação elevada”, diz Holland.
Com base em um painel de 66 países industriais, desenvolvidos e emergentes, eles avaliaram fatores determinantes para as elevadas taxas de juros reais, como o risco sistêmico (riscos de diluição inflacionária, volatilidade inflacionária, de calote da dívida e renda per capita dos países). Outros itens como restrições a depósitos em dólares, controles de capital e qualidade jurisdicional também foram incluídos no estudo, que durou um ano e meio para ser concluído.
Desta forma, eles descobriram que em países com algum grau de dolarização da economia – o que não é permitido no Brasil – a taxa de juros real é mais baixa. As avaliações permitiram a criação de uma série de taxas reais de juros estimadas para o Brasil no período de 1996 e 2006. Neste caso, seguindo os padrões internacionais e dadas as características de risco do Brasil, o estudo verificou que as taxas reais foram superiores às vigentes em quase todos os anos do período avaliado. No ano passado, por exemplo, a taxa ficou 4,2 pontos porcentuais acima da realizada.
Outro exercício do estudo – intitulado “O Brasil é diferente? Risco, Dolarização e Juros nos Mercados Emergentes” – foi calcular a taxa de juros com base em um comportamento conservador/prudente/inteligente de um banqueiro central. Ainda assim, a taxa de juro real brasileira foi maior que as verificadas nos últimos anos. No ano passado, ficou 1,7 ponto acima e neste ano mais de 2 pontos.
O modelo prevê ainda que o impacto do investment grade (grau de investimento) no juro real estimado seria de dois pontos porcentuais, derrubando a taxa para 4,5% ao ano. “A posição de investment grade acelera a queda dos juros”, destaca Holland, ressaltando a necessidade de o governo criar condições para obter em breve a tão esperada classificação de risco.
Modelo Equivocado
Para muitos economistas do mercado, e até mesmo do governo, o resultado do estudo é sinal de que o modelo do BC é equivocado. Outros vão mais pela tese de que os dirigentes da autoridade monetária erraram a mão ao elevar a taxa em 2005 e no ritmo lento do ciclo de corte.
“Quando você dá um sinal para o mercado fica difícil mudar drasticamente. Ou seja, se o BC começa a cortar meio ponto num mês, não dá pra cortar 2 pontos no mês seguinte. Isso deixaria o mercado perdido”, afirma um economista, que prefere não se identificar.
Mas, assim como no futebol, quando o assunto é a taxa de juros brasileira cada economista tem uma tese. O economista do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Sicsú, diz que o problema está na taxa de crescimento potencial (o quanto a economia pode crescer sem acelerar a inflação), entre 3% e 3,5%, e que precisa ser alterada. Para ele, o Brasil poderia ter uma taxa de crescimento maior, com juros menores e sem inflação, se os investimentos aumentarem.
A taxa de juros, afirma, pode ser bem menor que a atual e ainda assim não provocar fuga de investimento estrangeiro, criando crise cambial: “Hoje já temos uma taxa bem inferior à dos últimos anos e ainda assim continuamos a atrair capital externo.” Ao reduzir a taxa de juros, diz, o BC estará também diminuindo a despesa financeira do governo, que em 2006 foi R$ 163,5 bilhões.
Com a redução desses custos, o País diminui o déficit nominal, reduz a relação dívida/PIB e tem mais condições de investir em áreas importantes, como infra-estrutura, educação e segurança, exemplifica Sicsú. De acordo com cálculos do economista, a despesa com segurança pública no ano passado foi 48 vezes menor que a despesa financeira dos últimos quatro anos. “O aumento dos investimentos mudaria as condições físicas para o Brasil crescer mais.”
O economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Edgard Pereira, também encontra no PIB potencial um argumento para a elevada taxa de juro. “Como vimos na revisão do IBGE, há uma subestimativa do PIB potencial. As taxas de crescimento foram maiores do que as previstas e os investimentos menores, o que significa maior produtividade da economia,”, argumenta. Com números subestimados, diz Pereira, você põe a taxa num nível maior do que o necessário para manter a inflação controlada.
Na opinião da professora-doutora da Unicamp, Maryse Farhi, há uma série de explicações para os juros elevados. Uma delas é que o modelo usado pelo BC está errado. “Eles assumiram esse modelo, cuja visão é muito rígida, e estão levando em frente. Primeiro tomam uma decisão e depois produzem uma explicação para o que fizeram.”
Mantega evita criticar BC para não barrar aceleração de corte
O Comitê de Política Monetária (Copom) decide a nova taxa de juros esta semana à sombra de uma bandeira branca hasteada na Esplanada dos Ministérios. A torcida para que o Banco Central (BC) seja mais ousado e acelere o ritmo de queda dos juros continua existindo. Porém, não se vêem mais autoridades criticando o conservadorismo excessivo na condução da política de juros.
Pelo contrário: o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que costumava dar declarações pedindo ao Banco Central cortes mais fortes nos juros, na semana passada saiu em defesa da instituição.
‘O BC tem de perseguir a meta de inflação. Essa é a sua incumbência, a sua missão.’ Interlocutores de Mantega interpretam essas declarações não como sua adesão ao ideário do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, mas como uma preparação de terreno para um corte mais forte nos juros. Por essa leitura, o Copom estaria se preparando para mudar o ritmo de queda dos juros, atualmente em 12,75%. Em vez de cortar 0,25 ponto porcentual, como nas últimas duas reuniões, a redução seria de 0,5 ponto. Esse movimento, porém, não poderia ser feito se Mantega pressionasse publicamente por um corte mais profundo, porque nesse caso a decisão do Copom pareceria política – e não técnica, como deve ser.
Entre os economistas de bancos e consultorias, porém, a aposta majoritária é que o corte ficará mesmo em 0,25 ponto porcentual. Eles reconhecem que há condições técnicas para uma redução mais forte, mas acham que ela não acontecerá.
‘Do ponto de vista de análise de risco de inflação, a decisão em si poderia ser um corte de 0,5 ponto porcentual’, disse o estrategista de investimentos sênior para América Latina do banco West LB, Roberto Padovani. ‘Mas acho que a chance de isso ocorrer é quase zero, por uma decisão de estratégia do Banco Central.’ Ele explicou que o Banco Central vem justificando sua cautela, nos últimos meses, afirmando não conhecer com exatidão os efeitos dos cortes de juros sobre a economia real e a inflação. Daí a opção por cortar o juro aos poucos. ‘Não apareceu nada para refutar essa preocupação do Banco Central’, disse Padovani. ‘Se de repente o corte for de 0,5 ponto porcentual, o mercado ficaria confuso e, na incerteza, o juro futuro aumentaria.’
Para o estrategista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, os sinais de força exibidos recentemente pela economia brasileira são motivo para não acelerar os cortes nos juros: ‘O índice de ocupação da capacidade ociosa da indústria, o mercado de trabalho forte, a renda em alta, o crédito crescendo, as vendas a varejo em expansão, são todos fatores que podem gerar pressão inflacionária.’ Além disso, a inflação tem sido pressionada pelos serviços e produtos que não sofrem influência da cotação do dólar, os chamados non-tradeables. Assim, ele acha que a tendência de valorização do real até ajuda a manter a inflação sob controle.