Folha de São Paulo Editoria: Dinheiro Página: B-1
Um dia após o dólar comercial romper a barreira de R$ 2,00, o Banco Central apareceu duas vezes no mercado de câmbio ontem, mas não conseguiu impedir que a moeda dos EUA recuasse mais 1,46% e fechasse o dia a R$ 1,954, o menor valor desde 16 de janeiro de 2001.
A ação do BC foi dificultada por uma notícia boa para a economia, que atrai mais dólares ao país: a melhora na avaliação da dívida brasileira, feita pela agência dos EUA Standard & Poor”s.
Folha de São Paulo Editoria: Dinheiro Página: B-1
Um dia após o dólar comercial romper a barreira de R$ 2,00, o Banco Central apareceu duas vezes no mercado de câmbio ontem, mas não conseguiu impedir que a moeda dos EUA recuasse mais 1,46% e fechasse o dia a R$ 1,954, o menor valor desde 16 de janeiro de 2001.
A ação do BC foi dificultada por uma notícia boa para a economia, que atrai mais dólares ao país: a melhora na avaliação da dívida brasileira, feita pela agência dos EUA Standard & Poor”s. O resultado foi uma queda do risco-país para 148 pontos, o menor da história, e novo recorde na Bovespa, que subiu 2,41%.
A expectativa é que o dólar recue ainda mais nos próximos dias até encontrar um novo ponto de equilíbrio, entre R$ 1,90 e R$ 2,00.
Criticado na véspera por ter abandonado o câmbio, o BC voltou a intervir no mercado oferendo, às 12h24, US$ 1 bilhão em títulos públicos que trocam o rendimento cambial por juros. A sede toi tamanha que em meia hora vendeu todos os contratos e até conseguiu levar a cotação do dólar, de R$ 1,95 para R$ 1,97.
O efeito durou pouco mais de duas horas. Às 15h07, a agência de classificação de riscos Standard & Poor’s informou que havia elevado a avaliação de risco da dívida brasileira, provocando venda do dólar.
Às 15h32, o BC anunciou a compra no mercado à vista de dólares a R$ 1,9542, mas o efeito foi nulo. Minutos depois já eram vendidos a R$ 1,953, valor ainda menor do que o comprado pelo BC. “O BC perdeu uma oportunidade de não torrar dinheiro. Poderia ter deixado para outro dia”, disse Alex Agostini, da Austin Ratings.
Para Alvaro Bandeira, da corretora Ágora, a atuação do BC teria obtido melhor efeito sem o “upgrade” da dívida pela Standard & Poor”s: “O que tem de ser feito é utilizar os benefícios do câmbio favorável para importar máquinas e melhorar a infra-estrutura do país”
Diante da impotência do BC em segurar a derrocada do dólar, aumentou o coro dos que defendem uma queda de 0,5 ponto percentual na taxa Selic, os juros básicos da economia, que hoje estão em 12,5%.
“Uma “decisão de choque” fará um bem maior para a economia brasileira e para os próprios cofres públicos, que vêm sendo onerados com as estratégias utilizadas até agora. Certamente colocaria o preço do dólar, ainda que bastante baixo, em linha com a realidade”, disse Sidnei Moura, da corretora NGO.
“A única forma de impedir uma queda ainda maior do dólar é cortar os juros. O corte vai acabar com a farra de especulação com o câmbio”, diz Francisco Gimenez Neto, diretor de operações da corretora NGO.
Operadores dizem que a recente queda do dólar proporciona um ganho para o investidor, sobretudo o estrangeiro ou que tenha feito a conversão de moedas. Quem entrou no real com o dólar a R$ 2,05, no dia 2 de abril, e saiu ontem, a R$ 1,95 teria ganhado 5,12% apenas com a diferença cambial -e a isso se soma o ganho com os juros ou ações do período.
Na BM&F, os contratos de juros DI já embutem uma queda maior nas taxas -para janeiro, os juros recuaram de 11,43% para 11,34%, uma baixa significativa frente aos ajustes decimais no mercado futuro.
Mesmo assim, dúvidas em relação ao aquecimento das vendas no varejo levam os mais conservadores a preverem um corte de só 0,25 ponto nos juros, como Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, hoje no ABN Amro: “A inflação está abaixo do centro da meta, mas mantemos a previsão de corte de 0,25 ponto” na reunião do BC no início de junho.
Alguns operadores do mercado afirmam que o interesse da instituição agora seria impedir uma completa derrocada da taxa de câmbio. A atuação pontual do BC teria por objetivo apenas evitar um tranco e preparar os agentes para taxas em torno de R$ 1,90. “O BC precisa atuar para evitar que a queda não seja acentuada e brusca, o que causa prejuízos ao mercado e tira a previsibilidade para os exportadores”, disse Mirian Tavares, da corretora AGK.
Intervenção do BC piora perfil da dívida, mas analistas não vêem alternativas
A ação do Banco Central para conter a queda do dólar tem levado a uma piora no perfil da dívida pública.
Os instrumentos usados pelo banco para intervir no câmbio correspondem a um aumento de R$ 16 bilhões no endividamento do governo composto por títulos pós-fixados.
O impacto se refere às operações feitas com o chamado “swap cambial reverso”. Nesses contratos, é negociada uma troca: os bancos se comprometem a pagar ao BC toda a variação do dólar que ocorrer em determinado período, e, em troca, o BC paga aos bancos os juros que se acumularem nesse prazo. Esses juros acompanham a variação da taxa Selic.
A operação tem duas conseqüências principais. Pelo lado do câmbio, a negociação dos contratos de “swap” equivale a uma compra de dólares feita pelo BC no mercado futuro de câmbio. Isso ajuda a puxar a cotação da moeda dos Estados Unidos para cima -ou, pelo menos, impede que ela caia muito rapidamente.
Do lado fiscal, porém, se observa uma deterioração no perfil da dívida pública. O “swap” aumenta o volume de créditos em dólar que o BC tem a receber, mas também eleva seu volume de compromissos corrigidos pela Selic.
E, quanto maior a parcela da dívida pública corrigida pela Selic, maior é a vulnerabilidade das contas do governo, pois uma alta brusca na taxa, que hoje tem trajetória de queda, afetaria diretamente o tamanho do seu endividamento.
Em todo o mês de março, o Tesouro Nacional resgatou R$ 17,4 bilhões em títulos pós-fixados, valor próximo aos R$ 16 bilhões emitidos, desde 20 de abril, nas operações do Banco Central com “swap”.
Ônus
A venda de contratos de “swap” também traz custos para os cofres públicos caso o dólar continue caindo. Até abril, o prejuízo estava acumulado em R$ 2 bilhões, embora isso possa ser revertido caso o dólar volte a subir em algum momento.
Analistas ressaltam, porém, que, se não fossem as operações do BC, o dólar estaria em níveis muito mais baixos do que os atuais, o que também traria prejuízos para a economia.
“O custo fiscal é significativo, mas o que aconteceria se o BC não fizesse nada? Do jeito que as coisas estão postas, teríamos uma valorização brutal do real”, disse o economista Francisco Lopreato, professor da Unicamp.
Com o dólar barato, empresas instaladas no Brasil passam a sofrer com uma concorrência mais forte dos importados, além das maiores dificuldades em exportar seus produtos.
Para Lopreato, a valorização do real é um problema cuja solução passa por medidas como a redução de juros ou mesmo a adoção de algum tipo de controle de capitais, como ocorre em outros países.
Por enquanto, não há sinais de que essas medidas de controle de capital possam ser adotadas pelo governo. Além do “swap”, o BC também tenta segurar a valorização do real comprando dólares no mercado. Entre janeiro e abril, já foram adquiridos cerca de US$ 33,9 bilhões, valor próximo dos US$ 34,3 bilhões comprados ao longo de todo o ano de 2006.
O economista-chefe do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), Edgard Pereira, afirma que, devido aos juros altos praticados no Brasil, a atuação do BC no câmbio não só apresenta um custo fiscal elevado, como também não consegue impedir a queda do dólar. “É como enxugar gelo”, afirma.
Em tese, juros altos estimulam os investidores a colocar seus recursos em aplicações feitas em reais, deixando o dólar, menos rentável, em segundo plano. Isso se intensifica num cenário em que a economia passa a ser vista como uma opção de investimento cada vez mais segura, pois isso significa que uma aplicação em reais apresenta alta rentabilidade com um risco mais baixo.