Na live Caminhos do Brasil, líderes empresariais e da ciência analisam o impacto da inteligência artificial no trabalho, na educação e na inclusão social
As transformações em curso no mercado de trabalho, impulsionadas pela digitalização e pela inteligência artificial (IA), foram tema central da segunda edição da live Caminhos do Brasil 2025, realizada nesta terça-feira (20).
O evento, promovido por O Globo, Valor Econômico e Rádio CBN, reuniu especialistas de grandes empresas e da academia para discutir os rumos das profissões na nova economia, os desafios da formação profissional e as oportunidades de inclusão social e sustentabilidade.
Participaram do debate Carlos Augusto Lopes, vice-presidente da IBM Consulting para a América Latina; Luiz Tonisi, presidente da Qualcomm América Latina; Rafael Segrera, CEO da Schneider Electric América do Sul; e Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). A mediação foi das jornalistas Glauce Cavalcanti, de O Globo, e Stela Campos, editora de carreira do Valor Econômico.
Assista a íntegra da live:
Mundo em transformação
A transformação acelerada do mercado de trabalho, impulsionada pela inteligência artificial, traz oportunidades e dilemas. Stela Campos citou dados do Fórum Econômico Mundial, que até 2030 cerca de 22% dos empregos atuais passarão por mudanças estruturais, com a criação de 170 milhões de novos postos e a extinção de aproximadamente 92 milhões.
Na avaliação de Carlos Augusto Lopes, vice-presidente da IBM Consulting para a América Latina, a IA não é apenas tendência, mas uma necessidade de sobrevivência.
“A IBM vê esse assunto da seguinte forma: é uma questão de sobrevivência”, afirmou. A empresa está implementando um programa global com a meta de capacitar 30 milhões de pessoas até 2030, incluindo 2 milhões no Brasil até 2026.
Lacunas educacionais e o papel da universidade
Para Marcelo Viana, diretor-geral do IMPA, o Brasil já enfrentava problemas estruturais na educação antes mesmo da revolução digital. “O Brasil já não estava preparado antes de essas mudanças começarem a acontecer”, afirmou.
Viana destacou o descompasso entre os cursos universitários oferecidos e as reais demandas do mercado, citando dados que apontam que quatro cursos concentram 27% das matrículas universitárias, mesmo com baixíssimas taxas de empregabilidade.
O IMPA tem apostado em novos formatos de ensino, como o IMPA Tech, que oferece formação técnica com base em resolução de problemas reais apresentados por empresas. O modelo, segundo Viana, busca aproximar o setor acadêmico do setor produtivo e atrair estudantes de alto desempenho de todas as regiões do País.
A ansiedade diante da tecnologia
O avanço da inteligência artificial também tem gerado medo entre trabalhadores e líderes. Para Rafael Segreira, CEO da Schneider Elétrica América do Sul, o desafio é comunicar com clareza que a tecnologia não está aqui para substituir pessoas, mas para empoderá-las.
“Essa ansiedade, esse desconforto, essa situação emocional difícil requerem também muito suporte emocional, inteligência emocional”, ressaltou. Ele defendeu que a adoção da tecnologia seja acompanhada de diálogo, educação e preparo emocional.
A Schneider Elétrica relatou experiências em fábricas da França, onde operários mais velhos passaram a atuar como mentores de jovens ao integrar IA e realidade aumentada em tarefas antes consideradas pouco atrativas.
A perspectiva brasileira no cenário global
Representando a Qualcomm, Luiz Tonisi salientou que o Brasil deve buscar um papel estratégico na cadeia global de tecnologia. “Talvez, nós não vamos ser os Estados Unidos, nem a China, nem a Índia, que é a próxima fronteira de desenvolvimento”, ponderou.
Ele defendeu o fortalecimento de parcerias entre empresas e universidades e apresentou iniciativas como o fundo Women in Stem, que apoia mulheres de baixa renda em cursos da Unicamp.
Tonisi também chamou a atenção para o desafio energético envolvido no uso de IA, citando que uma simples busca com oito parâmetros pode consumir energia equivalente a acender quatro lâmpadas. A empresa tem apostado em chips mais eficientes e arquitetura híbrida para reduzir o consumo energético e democratizar o acesso a soluções com IA.
O impacto nas pequenas empresas e nos serviços
A adoção da inteligência artificial em larga escala ainda esbarra na maturidade digital de muitos setores, especialmente entre micro e pequenas empresas. Soluções acessíveis, como caixas de IA que transformam câmeras comuns em sensores inteligentes, foram apresentadas como exemplos de tecnologia de baixo custo e alto impacto.
No setor de serviços, os debatedores acreditam que a IA pode facilitar o acesso ao mercado de trabalho, ao permitir que pessoas sem graduação ou com pouca formação consigam realizar tarefas com apoio de assistentes virtuais.
“O trabalho muda quando você passa a executar menos e passa a monitorar, direcionar mais”, explicou Carlos Lopes.
Educação, formação e IA na sala de aula
Na educação, a IA tem potencial de transformar o método como os estudantes aprendem. Marcelo Viana comentou um estudo sobre escolas em Rio Branco (AC), em que, apesar de 75 professores de Matemática terem computadores em sala, apenas um havia ligado o equipamento. Para ele, a capacitação docente é fundamental para que a tecnologia realmente impacte positivamente a aprendizagem.
Ele também alertou para a velocidade com que a IA avança no próprio campo da pesquisa matemática. Segundo colegas do IMPA, a previsão é que inteligências artificiais comecem a produzir teoremas matemáticos com valor científico ainda nesta década.
Tecnologia, energia e sustentabilidade
A relação entre IA e sustentabilidade também foi pauta do evento. Rafael Segreira celebrou a escolha de Belém para sediar a COP 30 e destacou a criação do grupo Sustainability Business COP, que discute, entre outros temas, habilidades verdes e transição energética. Segundo ele, a tecnologia deve ser desenhada com foco nas pessoas, nos territórios e no impacto ambiental positivo.
Tonisi, da Qualcomm, reforçou a importância de novas arquiteturas computacionais que reduzam o consumo energético dos data centers e das inferências de IA, além de ampliar o uso de dispositivos com capacidade de processamento local, como celulares e laptops.
Colaboração e eficiência para um futuro inclusivo
Ao final do encontro, os participantes enfatizaram a importância da colaboração entre governos, empresas e universidades para que o Brasil não fique para trás no cenário global.
“Com todas as dificuldades, o Brasil tem capital intelectual e pode surfar nessa nova economia se apostarmos na colaboração e na formação”, afirmou Luiz Tonisi. Rafael Segreira reforçou: “Tem problemas estruturais na área de educação, mas eu também sou otimista”.
Marcelo Viana concluiu com um conselho que recebeu de um colega: “Think twice, compute once, ou seja, Pense duas vezes, calcule uma só”.