O Brasil conseguiu abocanhar mais um título para a sua extensa lista de conquistas negativas. Com cerca de 2 milhões de processos por ano, o país é campeão mundial em ações trabalhistas, segundo levantamento do sociólogo José Pastore, especialista em relações do trabalho há mais de 40 anos. De acordo com Pastore, nos Estados Unidos o número de processos não passa de 75 mil; na França, 70 mil; e no Japão, 2,5 mil processos.
Resultado disso é uma conta astronômica para o país. Para cada R$ 1.000 julgados, a Justiça do Trabalho gasta cerca de R$ 1.300, calcula Pastore.
O Brasil conseguiu abocanhar mais um título para a sua extensa lista de conquistas negativas. Com cerca de 2 milhões de processos por ano, o país é campeão mundial em ações trabalhistas, segundo levantamento do sociólogo José Pastore, especialista em relações do trabalho há mais de 40 anos. De acordo com Pastore, nos Estados Unidos o número de processos não passa de 75 mil; na França, 70 mil; e no Japão, 2,5 mil processos.
Resultado disso é uma conta astronômica para o país. Para cada R$ 1.000 julgados, a Justiça do Trabalho gasta cerca de R$ 1.300, calcula Pastore. Para ter idéia, em 2005 foram pagos aos reclamantes R$ 7,19 bilhões e, em 2006, R$ 6,13 bilhões até setembro. Na média mensal, o volume de 2006 ficou 13% superior ao do período anterior, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Na opinião de especialistas, o quadro caótico é resultado de inúmeras falhas. Uma delas é a qualidade da legislação trabalhista, considerada anacrônica, ultrapassada, detalhista e irreal.
“Quando vejo 2 milhões de ações na Justiça, começo a achar que há alguma inadequação na nossa lei, que não foi feita para um mundo moderno, globalizado. O elevado número de ações não é um bom sintoma”, avalia o advogado Almir Pazzianotto, ministro do Tribunal Superior do Trabalho até 2002. Para Pazzianotto, “houve uma banalização da Justiça do Trabalho no Brasil”. Qualquer coisa é motivo para entrar com um processo trabalhista.
Os pedidos de mudanças no sistema não significam retirar do trabalhador a possibilidade de reivindicar seus direitos. Segundo especialistas, o Brasil, a exemplo do que ocorre em vários países, deveria adotar mais os mecanismos de conciliação extrajudicial, como arbitragem e conciliação prévia. Os dois canais já existem no Brasil, mas não ganharam a importância devida.
“Esses mecanismos estão evoluindo de maneira muito lenta. Mas acredito que uma hora as pessoas vão se dar conta de que esse é o melhor caminho contra a morosidade”, afirma Pazzianotto, referindo-se à duração de um processo trabalhista. Se passar por todas as instâncias, uma ação leva cerca de sete anos para ser julgada, podendo chegar a dez anos.
INSTÂNCIAS. Pazzianotto afirma que o quadro poderia ser ainda pior se os processos passassem por todas as instâncias. Segundo ele, cerca de 50% das ações terminam com acordo na primeira instância. E, mesmo assim, a situação é calamitosa. “A culpa não é dos juízes. Eles trabalham bastante. O problema é a legislação, que instiga o aumento de ações”, diz Pastore.
Na avaliação de Pastore, a solução é uma reforma que elimine as distorções atuais e incentive as empresas a contratar os funcionários, reduzindo a informalidade. “Hoje muitas pessoas trabalham sem registro por causa da elevada carga tributária sobre os salários.”
Mas, apesar da situação complicada, alguns especialistas acreditam que houve melhora. “A informatização tem permitido que os números não avancem da forma acelerada com vinham crescendo”, afirma o advogado Estevam Mallet. Além disso, acrescenta, o interesse das empresas em abrir capital tem ajudado a reduzir os conflitos. “Companhias com grandes passivos trabalhistas não são bem vistas pelos analistas.”
Segundo dados do TST, hoje o país tem 1.364 varas instaladas. Em 2005, para cada 100 mil habitantes do País, 69 tinham ação no TST, 298 nos Tribunais Regionais (TRTs) e 1.050 nas varas trabalhistas. Cada magistrado recebeu 949 processos. O TST recebeu o maior número: 4.408 processos por ministro e juiz convocado. A indústria foi responsável por 21% das ações. Na administração pública, a participação subiu de 3,3% em 2001, para 5,1% em 2005.
Passivo abocanha até 70% das receitas das docas
Não é por acaso que o sistema portuário brasileiro vive à beira de um colapso. Além do Orçamento apertado da União, até 70% das receitas tarifárias das companhias docas – estatais que administram os portos – são abocanhadas por um passivo trabalhista que está longe de ter fim. São mais de 6 mil ações contra as empresas, que somam cerca de R$ 750 milhões.
O valor compromete a capacidade das empresas de fazer melhorias na infra-estrutura portuária e causa enormes prejuízos ao país. A situação é tão grave que o Ministério dos Transportes contratará uma empresa de consultoria para analisar a situação dos portos e fazer um estudo de um novo modelo de gestão do sistema portuário.
“Não adianta só resolver o passivo trabalhista com aportes de recursos da União. Precisamos saber onde mora o problema. Se há tantas reclamações de funcionários em relação à administradora, é porque algo está errado, há um problema de gestão”, avalia o diretor do Departamento de Programas de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes, Paulo de Tarso.
Em 2006, a Câmara dos Deputados preparou um relatório com base em dados enviados pelas oito companhias docas (Bahia, Pará, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Maranhão, Rio de Janeiro, Ceará e São Paulo) ao Ministério dos Transportes, detalhando todas as dívidas trabalhistas. O resultado é assustador.
Exceção. Entre as empresas controladas pelo governo federal, apenas a do Maranhão não tem passivos trabalhistas. Nas demais, a Justiça faz o bloqueio mensal de parte das receitas para honrar os processos julgados. Em alguns casos, a União tem de aportar recursos para que as companhias paguem as contas.
Não por acaso, a situação mais caótica é a da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), que administra o Porto de Santos, o maior da América Latina, com 75 milhões de toneladas movimentadas por ano.
ACORDOS. A Codesp tem 1.369 funcionários e cerca de 4 mil ações trabalhistas, que somam R$ 205 milhões. O problema é que esses números não param de crescer, diz o diretor-financeiro da Codesp, Mauro Marques. A empresa foi condenada e fez acordos de R$ 70 milhões, pagos regularmente. Além disso, há outros R$ 135 milhões para processos ainda na Justiça, mas considerados perdidos.
Segundo Marques, cerca de 70% da receita mensal é consumida com acordos trabalhistas. Isso, quando a Justiça não bloqueia as receitas da empresa. O executivo afirma que, em Santos, tudo é motivo para se entrar na Justiça. “A história começou com os próprios advogados das Docas, que ganharam cerca de R$ 5 milhões numa ação reivindicando horas extras.”
O acordo rendeu um pedido de explicação da Controladoria- Geral da União (CGU). O órgão queria saber por que a Codesp aceitou o acordo, considerado tão “antieconômico” para a empresa, e por que concedeu estabilidade aos advogados. Além disso, pediu informações sobre outros processos. “Hoje, os advogados preparam outra ação contra a Codesp”, diz Marques.
Quase todos os funcionários que entraram na Justiça continuam na companhia. “Há também o caso de uma escriturária que recebeu autorização da superintendência jurídica para atuar como advogada do porto. Depois, ela entrou na Justiça por desvio de função.”
Na Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), o passivo trabalhista também traz enormes prejuízos. A conta chega a R$ 300 milhões – boa parte do valor referente ao período de extinção da Portobrás e da Companhia Brasileira de Dragagem. Apesar do elevado crescimento do faturamento do porto (70% em 2006), as ações trabalhistas comprometem o potencial de investimento da empresa. Assim como as demais docas, a CDRJ já teve o bloqueio total das receitas para quitar ações trabalhistas.
Hoje, o orçamento da União para os terminais é definido apenas para alguns investimentos. Se as empresas não gastassem tanto com ações trabalhistas, poderiam usar o dinheiro arrecadado com tarifas cobradas dos terminais para fazer melhorias de acesso terrestre e até marítimo. Mas, sozinhas, elas não são economicamente sustentáveis. Na Codern (do Rio Grande do Norte), a administração tenta há anos aumentar o calado de 10 para 12,5 metros – planos prejudicados especialmente pelo passivo trabalhista de R$ 20 milhões.