Economia mundial garante exportações

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A Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), que cobra uma política mais agressiva de apoio aos exportadores, prevê exportações de US$ 138 bilhões este ano, bem abaixo das projeções oficiosas do governo, que chegam a US$ 152 bilhões. Mesmo as cifras mais modestas da associação, contudo, embutem um aparente paradoxo: como o país consegue superávits comerciais tão expressivos, superiores a US$ 35 bilhões, e as exportações seguem crescendo, com o real persistentemente valorizado?

A Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), que cobra uma política mais agressiva de apoio aos exportadores, prevê exportações de US$ 138 bilhões este ano, bem abaixo das projeções oficiosas do governo, que chegam a US$ 152 bilhões. Mesmo as cifras mais modestas da associação, contudo, embutem um aparente paradoxo: como o país consegue superávits comerciais tão expressivos, superiores a US$ 35 bilhões, e as exportações seguem crescendo, com o real persistentemente valorizado? Diretor-técnico da AEB, José Augusto de Castro atribui o fenômeno ao crescimento continuado da economia mundial, com destaque para a voracidade chinesa por commodities, o fôlego da economia americana e a recuperação da Europa e do Japão, principais mercados para as matérias-primas brasileiras.


Em linhas gerais, essa análise é corroborada pela maioria dos especialistas, seja qual for o grau de simpatia pela política econômica e a diplomacia comercial de viés terceiro-mundista do Itamaraty. Fernando Puga, do Departamento de Estudos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), contudo, chama atenção para o dinamismo de segmentos importantes dentre os manufaturados, ainda que admita dificuldades graves em têxteis e calçados.


“Veículos apresentaram um crescimento anual de 40% em valor e 60% em quantum nos últimos três anos. É preciso aguardar se isso é efeito de contratos antigos, mas as indicações vão em direção oposta. A Fiat tem a fábrica mais lucrativa no Brasil, a Ford tem uma unidade de excelência na Bahia, benchmark do grupo pela integração do pessoal de sistemas com o chão da fábrica, a Volks está vendendo para a Europa, e não apenas os modelos básicos”, argumenta.


As montadoras, segmento de onde veio o ministro do Desenvolvimento Econômico, Miguel Jorge, aproximam-se de novo do pico de produção alcançado entre 1997 e 1998, antes da crise que sepultou a âncora cambial e deu à luz o regime flutuante até hoje em vigor. Ano passado, produziram-se 2,6 milhões de veículos no Brasil, 800 mil a mais que no pior momento do setor, em 2001. “E boa parte desse dinamismo se deve às exportações”, conta Puga.


Dinamismo esse que se estende ao conjunto dos manufaturados, pelo que revelam os dados da balança comercial até a quarta semana de março. O segmento, de maior valor agregado, cresceu 19,2%, acima dos básicos (16,4%) e dos semimanufaturados (12,5%). No geral, a média diária das exportações no mês cresceu 17,1%, passado de US$ 494,2 milhões para US$ 578,5 milhões. Mesmo abaixo dos 30,9% alcançados pelas importações no período, é um desempenho pujante, ainda mais por vir antes da safra de soja e grãos em geral.


Classificação


José Augusto de Castro relativiza o desempenho dos manufaturados. Ele questiona o critério do governo para a classificação das mercadorias, em que itens de baixa elaboração, como álcool etílico e suco de laranja congelado, entram como manufaturados. Os exemplos não são aleatórios, já que esses dois itens, mais gasolina, respondem por boa parte da reação das exportações de bens industrializados.


“No caso da gasolina, nem se pode falar propriamente em estratégia, o que existe é um efeito colateral da estrutura de refino do Brasil e da proporção a cada dia maior do óleo pesado, à medida que a produção doméstica aumenta. A Petrobras, com a compra de unidades de refino no exterior e a construção da Unidade Petroquímica Básica, demonstra um senso estratégico de vender com mais valor agregado que falta ao resto do governo”, alfineta.


O exemplo da Coréia do Sul é invocado por Castro para ilustrar a necessidade de uma política bem concatenada de inserção no mercado internacional. “É um país pequeno, praticamente sem recursos naturais dignos de nota, que se destaca pela exportação de manufaturados de valor crescente. Como o Japão antes deles, livraram-se da imagem de vender exclusivamente produtos sem qualidade, baseados só em preço agressivo, e operam fortemente na ponta, de maior valor agregado, como na eletrônica de consumo”, explica.


Por aqui, se vê mais exemplos do oposto, segundo o diretor-técnico da AEB, o retrocesso na cadeia produtiva. “Nossos dados indicam 69% de commodities na balança brasileira, com apenas 31% de manufaturados. A estrutura tributária está fazendo com que muitas empresas optem por transferir unidades de esmagamento e refino para o exterior, e o grão in natura cresceu em relação às vendas de óleo e farelo de soja no Brasil”, adverte.


O exemplo da soja não é isolado, para Castro. A retomada de investimento que se assiste em setores importantes da indústria, como siderurgia e celulose, concentra-se nas etapas preliminares, de menor ganho relativo. “Tem cabimento um país com o melhor minério de ferro do mundo ter uma só fábrica de aço inoxidável? Um lugar em que as árvores adquirem o ponto de corte em sete anos e tem abundante oferta de água, insolação o ano inteiro, ter tantos projetos de celulose e tão poucos de papel? Uma terra com alguns dos melhores rebanhos do planeta que exporta cada dia menos calçados e cada vez mais couro? Estamos retrocedendo, vendendo os itens de menor valor agregado em cada cadeia produtiva”, argumenta.


Setores importantes da indústria de transformação, contudo, servem de exemplo para Fernando Puga contrapor uma visão mais otimista. “Eletroeletrônicos de consumo, instrumentos médicos, telefones celulares, produtos em que o Brasil sequer tinha relevância, aumentaram exponencialmente as exportações. A siderurgia sofreu com o acidente no alto-forno da CSN e paradas técnicas aqui e ali, mas assiste a uma retomada de investimentos, voltados para a exportação. É errado falar em primarização da economia”, sustenta.


Mesmo diante do argumento de que os novos projetos siderúrgicos fixam-se nas placas, deixando a agregação de valor para o exterior, Puga não cede: “O país tem custos de produção mais baixos e vantagens logísticas pela proximidade do minério de alto teor. Natural que atraia investimentos em placas. O quadro mudará à medida que se consiga combater as barreiras a produtos de agregação mais alta, embora exista um limitador para a venda a mercados mais distantes pelo risco de oxidação em viagens marítimas longas.”


Modernização


O investimento que marca o ciclo recente da indústria é em ampliação de capacidade, não mais apenas em modernização, em boa parte é voltado para exportação, destaca Puga. “O que pesa em boa parte é a competitividade brasileira. Celulose tem espaço para ampliar florestas, por aqui mais produtivas, em parte pelo solo favorável e pelo clima. Aço desfruta da qualidade do minério no país. Temos uma fatia ainda pequena do mercado internacional, se comparada à nossa competividade. A tendência é de buscar custo menor, entre empresas, daí que as barreiras em produtos mais elaborados obrigam as companhias a investir no exterior, se não quiserem perder espaço. Só que a venda de bens e serviços de engenharia e consultoria, em áreas que nossa qualificação é capaz de competir, como a construção de barragens e estradas, gera demanda extra para nossas exportações. O que com o tempo alimenta novos projetos de expansão por aqui”, confia.


Castro questiona a falta de uma política integrada e a limitação que isto impõe ao horizonte brasileiro de comércio exterior. “A China exporta manufaturado e importa insumos, em quantidade crescente. Por aqui a política é isolada, um ministro fala em crescer 40%, outro em taxar exportações para evitar desabastecimento, num atestado público de falta de prioridade e coordenação. Se tivéssemos um sistema tributário decente, uma logística adequada e menos burocracia, ninguém estaria preocupado com o câmbio.”


Nos setores de tecnologia de ponta, prioridade declarada do governo, o quadro é um pouco melhor, mas não o suficiente, para Castro. “Software teve algum impulso, linhas da Finep e do BNDES, interesse das grandes empresas de telecomunicações e eletroeletrônica de consumo. O Brasil é 1% da Índia, por falta de impulso educacional. EM botecnologia avançamos, mas acaba-se caindo na commodity agrícola, de um jeito ou de outro”, argumenta.


Industrializar o máximo, para Castro, é a estratégia adequada para reduzir custo de transporte. “O frete é cobrado por tonelagem e distância, não importa o produto”, lembra. “A Coréia do Sul é pequena, não tem matéria-prima, só exporta manufaturados de altíssimo valor agregado. A China obriga a ter parceria, aqui a maioria dos manufaturados é desnacionalizado. O regime lá é comunista para dentro e capitalista para fora, tem dado certo no xadrez internacional”, exemplifica. Por aqui, os regimes militares tinham uma meta, e esse sentido de coordenação, com todos os defeitos decorrentes do autoritarismo, se perdeu na transição para a democracia,” reclama. “As exportações dobraram, como Lula prometeu, mas por efeito da conjuntura internacional, não por mérito do governo”, critica.


Ele aponta o escoamento da produção como um gargalo sério, que só não tomou contornos de apagão pela frustração na safra de grãos nos últimos dois anos. “Se o Brasil não construir ferrovias e recuperar suas rodovias, terá de suspender exportações de commodities. Nossos portos não têm calado para os suergraneleiros, acima de 200 mil TPB, ou os novos porta-contêineres. Se não fosse a privatização do setor ferroviário, o caos estaria instalado. Não há política integrada entre MDIC, Fazenda, BNDES ,” insiste.


A descoordenação, para ele, vai a detalhes de anedotário, capazes de alimentar o folclore sobre brasileiros em Lisboa. “A Justiça proibiu exportação de cimento para a América do Sul, alegando que aumentava o risco de tráfico de cocaína. Veja só, em vez de fiscalizar as cargas adequadamente, proíbem a venda e ponto. Um ministério sem especialização na área. As exportações cresceram ainda assim? Deus está sendo mais do que nunca brasileiro, torçamos para que ele não entre de férias”, conclui.


Economista aponta quadro diferente do câmbio fixo


Mesmo que o Banco Central baixe mais agressivamente a taxa de juros, o que soa pouco provável, o dólar pararia de cair, mas não a ponto de o real subir rapidamente. “Não é só o capital financeiro que está entrando, mas um saldo comercial expressivo, 60% do fluxo são comerciais”, explica o economista Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor de Dívida Pública do Banco Central. Ele considera o quadro atual distinto do ocorrido na época do câmbio fixo, em que expectativa era de depreciação da moeda brasileira. “A taxa de juros real no país será sempre maior do que nos EUA, e a perspectiva, portanto, é de continuidade da valorização do real”, admite.


O BC está indo contra o fluxo, acumulando reservas num ritmo muito forte, a um custo fiscal elevado. “Batemos a barreira psicológica dos US$ 100 bilhõesde reservas, e nessa toada chegaremos a US$ 200 bilhões na virada do ano,” prevê. Além de identificar margem para uma redução mais agressiva da Selic, o economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) sustenta a necessidade de ajustes na política monetária. “Um dos pontos questionáveis é que quando o governo permitiu a isenção na compra de títulos por não-residentes favoreceu uma forte entrada de recursos financeiros. A enxurrada de recursos comerciais e investimentos diretos torna dispensável essa isenção. O problema no momento está mais para excesso do que para falta de recursos. A expectativa é de estabilidade da moeda, não há risco de fuga de capitais,” argumenta.


Agora, com as isenções para não-residentes, alegadamente para permitir o alongamento da dívida interna, volta-se a cair no artificialismo da época de Gustavo Franco, em que o aumento do prazo para quitação de eurobônus e as normas mais flexíveis da “63 caipira” – linhas de crédito destinadas à ampliação de oferta do crédito rural que os bancos aplicavam em títulos públicos e privados – puxaram em seis meses as reservas de US$ 30 bilhões para US$ 70 bilhões. “Como os juros eram altos, da ordem de 45%, os recursos em poder dos não-residentes aumentavam muito, o que pressionou as cotações na hora de sair,” explica.


No momento, é pouco provável a repetição da corrida do final de 1998 e início de 1999, que acabou forçando a mudança do regime cambial. Para Carlos Thadeu, a trajetória de juros já está definida, ficando claro que será 0,25 a cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) até o final do ano. “Isso facilita a arbitragem linear, nem precisa especular,” argumenta. Ele lembra que quando da crise em maio do ano passado, houve uma certa fuga da NTN-B, único título do Tesouro com correção cambial. “O BC entrou comprando, para que o título não se desvalorizasse. Com isso, sinalizou que elimina o risco. Hoje, papel rende 10% do juro real e a reserva remunerada a 3% a 3,5% ao ano. Se o investidor resolver sair, terá rentabilidade garantida. Não há risco de perda de capital, como nas bolsas,” argumenta.


No curto prazo, no plano comercial, também não há expectativa de reversão, de acordo com Carlos Thadeu. “Os preços das commodities estão muito favoráveis. O quantum das exportações tem caído, mas as previsões de queda de receita têm se frustrado. As importações estão aumentando, podem bater os US$ 100 bilhões este ano, mas crescem mais lentamente do que no início do Plano Real”, enumera. Os dados revisados do Produto Interno Bruto (PIB) – a construção civil é que teve número mais baixo – revelam que a importação de máquinas e equipamentos aumentou ano passado, o que deve resultar em aumento dos investimentos. “Como evitar um fortalecimento excessivo do real, neste contexto? Cresceremos 4% este ano, mas com o real valorizado e um saldo comercial de US$ 39 bilhões a US$ 40 bilhões”, prevê.


Para os setores mais duramente castigados pela prolongada valorização do real, medidas de desoneração fiscal e melhoria de competitividade sistêmica, como a recuperação da infra-estrutura logística, ajudam mas não resolvem. “Empréstimos de longo prazo para as empresas mais prejudicadas, como o setor têxtil, calçadista, fábricas de semi-duráveis, como está sendo estudado pelo BNDES, seriam uma boa medida”, prega. O melhor seria uma aceleração na queda de juros e uma indicação de um regime fiscal mais rigoroso, para estimular os investimentos e a demanda por importações, equilibrando sem intervencionismo a taxa de câmbio.


 


 


 

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