O sucesso na redução do endividamento público no Brasil não deve ser desculpa para que se desacelere os esforços de continuidade desta trajetória.
O sucesso na redução do endividamento público no Brasil não deve ser desculpa para que se desacelere os esforços de continuidade desta trajetória. O aumento de gastos públicos e a diminuição do superávit primário, como previsto no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vão reduzir a velocidade do recuo da dívida do governo e retardar o alcance do grau de investimento pelo país, alerta o professor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Márcio Holland.
Na sua avaliação, o limite do endividamento bruto brasileiro deve ser reduzido para 50% do Produto Interno (PIB), considerando seu dinamismo e inserção na economia mundial e o histórico de economias que conseguiram passar de grau de especulação para grau de investimento. Em 2006, a dívida bruta do governo em relação ao PIB era de 71,6%, percentual abaixo dos 74,8% registrados em 2005.
“É importante termos um pouco mais de paciência. Estamos chegando a níveis de estabilidade monetária, mas agora o superávit primário tem se reduzido e o governo tem aumentado os gastos. Isso adia a redução da dívida e a conquista do investment grade”, explica o economista, que publica artigo sobre o endividamento público no país na edição de março da revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas.
Oportunidade
Holland esclarece que a situação não é de caos, mas que o abalo nos mercados financeiros mundiais mostra que “o Brasil perdeu oportunidade de imprimir maior velocidade no afrouxamento da política monetária, o que reduziria os custos com o pagamento da dívida”. A maior desconfiança no cenário mundial não permitirá, segundo ele, “mais condições para que o Banco Central reduza rapidamente os juros e é fundamental não deixar de lado o trabalho realizado até aqui”.
Uma de suas preocupações é a redução do superávit primário, já que o PAC permite a elevação do orçamento do Projeto Piloto de investimentos (PPI) para 0,5% do PIB até 2010, o que significa que o superávit primário efetivo – levado em conta para a redução da dívida do setor público – cairá para 3,75% do PIB. A outra é o aumento dos gastos correntes do governo, uma realidade ao longo de 2006. O próprio Orçamento deste ano prevê crescimento nominal de 10,2% dos gastos correntes da União em relação ao ano passado, para R$ 424,7 bilhões.
“Parece que a discussão pelo esforço fiscal está arrefecendo. É claro que é preciso celebrar o avanço que tivemos nos últimos anos. Se olharmos os dados da relação entre a dívida pública e o PIB, a queda foi expressiva, de 57% para 50%. O Brasil não vai quebrar, mas é preciso manter o debate fortalecido, senão podemos perder essas conquistas”, aponta.
Holland destaca que países com grau de investimento e nível de renda per capita semelhante ao brasileiro têm limite de endividamento bruto entre 45% e 50% e mesmo os países em situação especulativa têm percentuais em torno dos 55%, bem abaixo dos 71,6% do Brasil. Já economias industriais avançadas, com classificação de risco de Aaa a A3, têm dívida média de 29,7% do PIB. O Brasil é a 16ª economia mais endividada do mundo e a 11ª economia mais endividada entre as economias classificadas como de grau de especulação.
“Ser endividado não é o problema, mas o nível de pagamento depende do dinamismo da economia e de sua inserção no comércio mundial. Ainda que tenham endividamento mais elevado, países como o Japão (176%) e Itália (107%) têm mais fontes de divisa internacional e, por isso, podem se endividar”, explica.
Na visão de Holland, a economia brasileira ainda enfrenta dificuldades por causa de seu histórico de moratórias e de renegociações de dívidas e de inflação alta. Esses fatores geram um ambiente de alto risco sistêmico, já permanece a dúvida sobre a manutenção de boas políticas monetária e fiscal.
“Estas boas práticas incluem principalmente o compromisso com inflação baixa e boa saúde fiscal. Como estamos falando de um risco que se dilui com o tempo, tais práticas tomam um bom tempo para provocar seus efeitos positivos. Isso contraria a idéia muito comum até a década de 90 de que bastava atingir níveis internacionais de inflação para que todos os problemas da economia do país estivessem resolvidos”, argumenta.
Ainda que a inflação brasileira tenha chegado a apenas 3,14%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), Holland rebate que esta é uma realidade recente. A inflação controlada desde 1994 não significou níveis baixos do índice, que chegou a 5,7% em 2005, 7,6% em 2004, 9,3% em 2003 e 12,5% em 2002.