NÃO
Não se perde aquilo que não se tem
GUILHERME AFIF DOMINGOS
A FRASE do ministro Furlan, que intitula este artigo, sintetiza bem a questão de uma eventual perda de arrecadação do Sistema S com a entrada em vigor, em 1º de julho, da Lei Geral da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, que dispensa as empresas enquadradas em suas normas do recolhimento da contribuição a tais instituições.
Conforme esclarece carta do presidente do Sescon, José Maria Chapina Alcazar, publicada pela Folha, “na prática, as optantes pelo Simples, desde 1997, por força da lei e da interp
NÃO
Não se perde aquilo que não se tem
GUILHERME AFIF DOMINGOS
A FRASE do ministro Furlan, que intitula este artigo, sintetiza bem a questão de uma eventual perda de arrecadação do Sistema S com a entrada em vigor, em 1º de julho, da Lei Geral da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, que dispensa as empresas enquadradas em suas normas do recolhimento da contribuição a tais instituições.
Conforme esclarece carta do presidente do Sescon, José Maria Chapina Alcazar, publicada pela Folha, “na prática, as optantes pelo Simples, desde 1997, por força da lei e da interpretação que lhe foi dada pela Receita Federal, não recolhem as contribuições do Sistema S… a despeito da existência de sentença judicial -pendente de recurso em tribunal regional, portanto não definitiva”, pelo que não há o que se falar em perda de receita com a nova lei, uma vez que tal arrecadação já não ocorre.
A lei geral é resultado de um longo processo de lutas de um grande número de entidades na defesa de normas específicas e favoráveis para os empreendimentos de menor porte que se iniciou com a realização em São Paulo, em 1979, do primeiro Congresso Brasileiro da Micro e Pequena Empresa, que tive a honra de presidir, e avançou com a aprovação do Estatuto da Microempresa, em 1984.
Durante o quarto congresso das MPEs, em Brasília, deu-se, então, um passo importante com a inclusão, no texto da Constituição de 88, do artigo 179, que prevê que União, Estados e municípios “dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado, visando incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio da lei”.
A partir desse mandamento constitucional, criou-se pela lei nº 9.317/96 o Simples, que reduziu a carga tributária e simplificou a burocracia para as pequenas e microempresas de alguns setores, mas que tinha sua abrangência limitada à esfera federal e não incluía a área trabalhista.
Apesar das limitações, o Simples permitiu a formalização de um grande número de empreendimentos e a criação de novos negócios, sendo seu resultado prejudicado pela não correção dos valores para enquadramento durante um longo período em que a inflação, embora sob relativo controle, provocava a defasagem dos limites.
A aprovação da PEC 42/2003 adicionou mais um dispositivo ao inciso III do artigo 146 da Constituição, possibilitando, por meio de lei complementar, a unificação da tributação da União, Estados e municípios, o que foi feito pela lei geral, que estabeleceu, na prática, o “imposto único” para os empreendimentos de menor porte.
Essa evolução gradativa e lenta do tratamento diferenciado às pequenas e microempresas não comporta retrocessos e, estou certo, não trará perdas ao Sistema S, cujos trabalhos relevantes não foram afetados pelo Simples e não serão afetados pela entrada em vigor da lei geral, que, apesar de algumas limitações, representa um passo importante no sentido de fortalecer a estrutura empresarial brasileira, cuja base se assenta nos empreendimentos de menor porte.
Acredito que devemos discutir os passos seguintes para permitir que as pequenas empresas enquadradas no Supersimples tenham condições para crescer e, com isso, dele sair, o que exige a criação de condições que as estimulem para essa transformação.
Caso não ocorra nenhuma simplificação, o risco que se corre é o de que a lei geral acabe se transformando em um estímulo para que as empresas beneficiadas procurem não crescer para não terem de suportar os custos da burocracia e da tributação.
Creio ser este o desafio que as entidades que há tantos anos lutam em favor das pequenas e microempresas devem enfrentar incessantemente: lutar pela desburocratização da economia, para permitir que pequenas e microempresas possam se tornar médios e grandes empreendimentos, dando lugar a novos pequenos negócios que irão manter a vitalidade da estrutura empresarial brasileira.
SIM
Mutilação anunciada
ABRAM SZAJMAN
EM 1945, o mundo emergia da Segunda Guerra Mundial com a esperança de construir instituições que garantissem não apenas a paz duradoura entre as nações mas também a estabilidade econômica e social no interior de cada país.
No Brasil, a criação do chamado Sistema S estabeleceu uma base para o exercício da responsabilidade social dos empregadores seis décadas antes de esse conceito entrar para o cotidiano das empresas e das pessoas com o significado atual: o de suprir as lacunas do Estado na área social, ajudando a preservar as conquistas da civilização ante o avanço da barbárie.
A Folha me pergunta se o Supersimples prejudica o sistema. A resposta é sim, sem sombra de dúvida. O Sesc e o Senac -mantidos pelos empresários do setor do comércio e serviços, em que predominam as empresas de pequeno porte- terão redução de receita da ordem de 20%, e, para o Sesi e o Senai, a perda será de 10%, segundo projeções das entidades.
Em conseqüência, coloca-se sob ameaça um benefício conquistado pelos trabalhadores e a expansão física das unidades educacionais, culturais e desportivas para áreas carentes, bem como a quantidade e a abrangência dos programas atualmente executados, próprios ou em parceria.
Apenas em relação ao Sesc e ao governo federal, há ações conjuntas com sete ministérios, inclusive para o combate à fome. Com o Senac, desenvolvem-se programas -como Alimentos Seguros, Soldado Cidadão, Menor Aprendiz e Regionalização do Turismo- que serão afetados.
As minudências jurídicas que têm sido destacadas apenas tangenciam o problema. Sobre esse aspecto, convém lembrar que os constituintes de 1988, atendendo a uma vontade popular expressa em imensas listas de assinaturas de apoio, consagraram no artigo 240 da Constituição as contribuições de todos os empregadores para manter o Sistema S.
O antigo Simples não alterou esse dispositivo. Foi a Receita Federal, por meio de atos infralegais, que considerou as empresas inscritas nesse sistema “isentas” da contribuição, entendimento já refutado por insofismável sentença judicial. Se, por causa disso, algumas empresas deixaram de contribuir, nenhuma deixou de ser contribuinte, o que agora ocorrerá, quando o Supersimples entrar em vigor.
Fica claro, assim, que a questão é política. Desonerar a produção e simplificar a tributação, principalmente para as micro e pequenas empresas, são fatores hoje tão cruciais para o país que a Fecomercio-SP desenvolveu, ao longo de 2006, o projeto Simplificando o Brasil, com propostas que contemplam -e vão além- o obtido com o Supersimples. Nesse aspecto não precisamos, nem aceitamos, de lições de ninguém.
A modernidade empresarial, porém, não pode ser obtida à custa do retrocesso social. Pelos ralos do desperdício da inchada máquina estatal, em todos os níveis, continuarão a escorrer os tributos pagos pelas pequenas empresas. Somente as instituições privadas de serviço social e formação profissional foram atingidas pela ação ou omissão de alguns políticos que, nas tribunas e palanques eleitorais, fazem juras de apoio ao trabalho dessas entidades.
É nosso dever alertar o presidente Lula para a espada que paira sobre o Sistema S, com data marcada para iniciar a mutilação. Afinal, é de sua autoria a frase: “Só critica o Sistema S quem nunca precisou dele”. Além disso, foi um curso de torneiro mecânico do Senai que abriu as portas da história para um operário tornar-se presidente do Brasil.
Será fundamental, nos próximos meses, que Executivo e Legislativo encontrem, em consonância com a sociedade, uma alternativa para atenuar ou evitar o dano anunciado. O Sesc e o Senac, cujo trabalho sociocultural e educacional é nacional e internacionalmente reconhecido, não podem e não devem ser afetados. A menos que se queira manter a juventude das grandes cidades, por falta de alternativas, como exército de reserva do crime organizado.