O Estado de São Paulo Editoria: Nacional Página: A-4
Está pronta a medida provisória que vai legalizar as centrais sindicais e atender a uma das principais reivindicações de seus líderes: o acesso ao rateio do bolo do imposto sindical que, só no ano passado, arrecadou mais de R$ 1 bilhão.
O Estado de São Paulo Editoria: Nacional Página: A-4
Está pronta a medida provisória que vai legalizar as centrais sindicais e atender a uma das principais reivindicações de seus líderes: o acesso ao rateio do bolo do imposto sindical que, só no ano passado, arrecadou mais de R$ 1 bilhão. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu que as centrais vão ficar com metade da fatia do imposto sindical destinada ao governo.
Ex-sindicalista, Lula pretendia anunciar a boa nova hoje, para marcar o Dia do Trabalho, mas as negociações emperraram na última hora e ele foi obrigado a adiar o envio da MP ao Congresso. Pelo rateio sugerido, metade do total de 20% que cabe ao governo na contribuição cobrada dos trabalhadores ficaria agora com as centrais.
O imposto sindical é compulsório e corresponde a um dia de serviço descontado do trabalhador, sindicalizado ou não, uma vez por ano, sempre no mês de março. Somente no ano passado, o Ministério do Trabalho contabilizou a entrada de exatos R$ 1.030.808,279,52 referentes ao imposto pago por trabalhadores urbanos. Do total arrecadado, 60% vão para os sindicatos, 15% para as federações, 5% para as confederações e 20% para o governo. Se a proposta já estivesse em vigor, as centrais abocanhariam hoje cerca de R$ 103 milhões.
Partilha Discutível
Tudo estava certo para o anúncio da medida provisória, mas a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) discordou do modelo de financiamento. Motivo: o governo queria que, na hora da partilha, os sindicatos indicassem para quais centrais, federações e confederações o dinheiro deveria ir. A NCST enxergou nesse adendo uma forma de discriminação embutida no pacote de bondades.
Em conversas reservadas, auxiliares de Lula dizem que seria, na prática, uma abertura de cofre seletiva, para torpedear o sindicalismo empoeirado, que só sobrevive à custa do dinheiro do imposto. “Não podemos legalizar as centrais de qualquer jeito”, disse o secretário de Relações do Trabalho, Luiz Antônio de Medeiros. “É preciso oxigenar o movimento sindical e dar soberania às bases.” Apesar da falta de consenso, o novo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, determinou que Medeiros retome as negociações após o feriado.
“Temos a expectativa de fechar acordo ainda neste mês de maio”, insistiu Medeiros, que presidiu a Força Sindical. A Força e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) – as duas principais centrais do País – apoiaram a proposta, assim como os dirigentes da União Geral dos Trabalhadores (UGT), entidade que começará a funcionar oficialmente em julho.
“Nós achamos que, enquanto esse imposto não acaba, os sindicatos devem decidir para onde vão os recursos, escolhendo quais são as entidades que os representam”, afirmou o presidente da CUT, Artur Henrique. “O problema é que houve intransigência de uma parte do movimento sindical, que quer manter a velha estrutura da época de Getúlio Vargas, de olho no dinheiro do imposto. Para esse pessoal, os sindicatos não precisam nem prestar bons serviços nem ter sócios.”
No jogo político de bastidor, adversários do PT chegaram a acusar a CUT de não querer o acordo agora para não incensar Lupi, o ministro do PDT que substituiu o petista Luiz Marinho. “Isso é fofoca”, reagiu Artur Henrique. “Não interessa para nós quem vai sair na foto. O que interessa é que o governo Lula não passe mais quatro anos sem reconhecer as centrais.” O deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força, disse ainda ter esperança na aprovação de uma MP conferindo estatuto jurídico às entidades. “Não podemos ficar a vida inteira nessa situação. No Brasil, as centrais só têm registro em cartório. São uma espécie de ONG”, reclamou.
Faz um ano que Lula enviou MP ao Congresso reconhecendo as centrais. “(…) Não se justifica o receio de que elas possam concorrer com os sindicatos ou comprometer suas prerrogativas de negociação coletiva”, dizia o texto. A Câmara, porém, rejeitou a medida. Não é só: até hoje, a reforma sindical está empacada no Congresso e às vésperas de um ano eleitoral o governo nem planeja mais propor mudanças na lei trabalhista.
As tentativas
Fevereiro de 2005: governo envia ao Congresso a reforma sindical, que propunha legalizar as centrais. Ainda não foi aprovada
Maio de 2006: governo encaminha duas MPs e um projeto de lei insistindo na legalização das centrais e na criação do Conselho Nacional de Relações do Trabalho
Maio de 2007: estava prevista para hoje edição de MP não apenas legalizando as centrais, mas definindo como elas serão financiadas pelo imposto sindical (com metade dos 20% que ficam com a União). Divergências adiaram a edição para depois do feriado
Rearranjo de forças faz surgirem novas entidades
Sindicalismo vive momento de indefinição, pressionado por mudança econômica e aproximação com o governo
Roldão Arruda
No segundo mandato do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, o movimento sindical atravessa fase de transição, marcada por indefinições. Entre as centrais sindicais ocorre um rearranjo de forças, cujo sinal mais evidente é o surgimento de novas organizações.
Deve ser lançada em julho a União Geral dos Trabalhadores (UGT), fusão de três entidades menores – Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), Social Democracia Sindical (SDS) e Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT). Também integrará essa nova organização uma significativa dissidência da Força Sindical, hoje a segunda maior central.
Antes disso, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior delas, também tinha enfrentado dissidências. De uma delas resultou a Coordenação Nacional de Lutas (Comlutas), próxima do PSTU; e de outra, a Intersindical, que ainda não se desligou oficialmente da CUT, mas está em vias de fazê-lo.
CUT e Força exibem sinais de aproximação. É o que observa a professora e pesquisadora Andréia Galvão, do Departamento de Ciência Política da Unicamp. “Há uma atenuação das diferenças entre as duas centrais”, avalia.
Desde sua origem, no governo de Fernando Collor, a Força sempre esteve mais próxima do governo, enquanto a CUT, ligada ao PT, situava-se na oposição. Com a ascensão de Lula, que ajudou a fundar o PT e a CUT, as coisas se modificaram: na antiga central oposicionista o que se nota hoje são dificuldades para manter sua independência, segundo Andréia Galvão. “Muitos militantes cutistas estiveram ou estão no governo. Isso tem provocado divisões internas acentuadas entre os que defendem essa proximidade e os que a condenam.”
A aproximação aparece, por exemplo, com a indicação de Luiz Antonio de Medeiros, ex-presidente da Força, para cargo no Ministério do Trabalho, quando dirigido por Luiz Marinho, ex-presidente da CUT.
O cientista político Marco Aurélio Santana, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também observa uma tentativa de aproximação entre CUT e Força. “Conjunturalmente, elas já experimentaram momentos de aproximação no passado. Agora, como todas as entidades enfrentam problemas, tentam juntar esforços mesmo em áreas onde antes não conseguiam.” Os problemas aos quais Santana se refere estão relacionados a mudanças políticas, econômicas e sociais ocorridas nos 90 – da reorganização das empresas, com o enxugamento de empregos, à derrocada do socialismo como paradigma. Isso resultou no esvaziamento dos sindicatos.
“Quando Lula assumiu, em 2003, o movimento sindical estava em frangalhos. Tinha perdido a pujança dos anos 80”, recorda. Hoje, segundo o cientista político, os sindicatos repensam suas práticas diante da nova realidade. “Há sinais de que podem sair da crise, com mudanças na organização, inclusão de novas demandas, reforço nas políticas culturais, atração de setores da juventude, fusões de sindicatos”, diz.
É um momento de impasse, acredita Santana. “Que projeto vai sair disso, um sindicato mais cidadão e menos classista? Essa perspectiva aparece no centro da polêmica”, analisa. “Há setores que acham que isso leva à perda da perspectiva de classe. Em lugar de querer transformar a sociedade, agora querem reformar o capitalismo.”
O sociólogo Clemente Gans Lúcio, diretor-técnico do Dieese, mais tradicional assessoria sindical do País, também acredita que o sindicalismo enfrenta transição. “A eleição de Lula aumentou a responsabilidade política e social do movimento sindical frente aos anseios da sociedade. Hoje o principal desafio é o de ser mais propositivo”, acredita Lúcio.
Na visão dele, o governo tem chamados os diferentes atores da cena política, como trabalhadores e empresários, para negociar questões mais amplas – a exemplo de uma agenda para o desenvolvimento.
Trabalhador tem pouco para celebrar
Índices econômicos ficaram aquém do prometido pelo presidente
As celebrações do Dia do Trabalho seriam melhores se a economia do País tivesse crescido em patamares mais adequados às necessidades da classe trabalhadora. De maneira geral, os indicadores econômicos ficaram aquém daqueles prometidos por Luiz Inácio Lula da Silva, o primeiro sindicalista a assumir a Presidência no Brasil.
Mas ainda assim há motivos para comemorar. A começar pelo período democrático que o País vive – o mais longo de sua história, o que é relevante para o sindicalismo independente, um dos primeiros alvos de regimes autoritários.
De modo mais específico, no atual governo ocorreu um pequeno aumento no número de trabalhadores com carteira assinada. E os rendimento também cresceram. “Discretamente, mas cresceram, interrompendo um processo de arrocho violento que se estendia por quase 15 anos”, observa o sociólogo Clementes Gans Lúcio, da assessoria técnica do Dieese.
Outro motivo de comemoração apontado por ele foi o corte na introdução de medidas de flexibilização das leis trabalhistas: “Nos anos 90, foram adotadas cerca de 20 medidas, transformadas em lei, destinadas a flexibilizar a legislação nesta área. Elas iam da criação do banco de horas aos contratos de tempo parcial e tempo determinado. E agora, em quase cinco anos de governo Lula, não tivemos mais medidas dessa natureza.” Ainda há mais um motivo para comemorar, segundo o técnico do Dieese: a taxa de sindicalização de trabalhadores cresceu discretamente.
Isso é atribuído sobretudo ao esforço que os sindicatos estão fazendo para atrair novos associados e, dessa maneira, aumentar o seu cacife nas mesas de negociações que o governo Lula oferece. É claro que existe uma controvérsia em relação a essas mesas. Enquanto de um lado há quem afirme que os sindicatos nunca foram tão bem tratados, do outro os críticos afirmam que eles perderam combatividade e se tornaram correias de transmissão das decisões do Planalto.